Pensando em como iniciar essa “resenha” solicitada mui gentilmente por vossa senhoria, caro Antonio Stélio, lembro que hoje não poderemos contribuir com o país através da nossa cidadania. Simplesmente pelo fato de estarmos fora de nosso foro eleitoral (você uns quilômetros a mais que eu), e ambos dentro do hospital - cada qual na sua função. Aliás, espero que mantenha sua condição de paciente e aguarde, com paciência, sua cirurgia.
Acho que a melhor maneira de expressar minha visão é – literalmente - começar do começo que, para mim, inicia no momento em que entrei na Unidade Coronariana (UCO) do InCor, naquele dia 29/09/10 e fiquei sabendo que havia um novo paciente no leito 4026. O colega de plantão me informou que se tratava de Antonio Stélio, 52anos, proveniente do Acre. O paciente estava diagnosticado Infarto Agudo do Miocárdio, já realizado cateterismo cardíaco no InCor. e que estava em programação cirúrgica.
Foi, então, que decidi conhecer a Antonio Stélio e saber se estava bem – nem sempre dentro de uma UCO ou UTI é possível conversar com os pacientes, pois na maioria das vezes estão inconscientes e entubados.
Logo que entrei no quarto percebi que poderia haver um diálogo devido ao fato de estar respirando sem a ajuda de aparelhos, e todas aquelas “parafernálias” que ficam ao lado da cama do paciente, o impedindo até mesmo um contato próximo. Vi também que o diálogo haveria de ser diferente do convencional; com possíveis neologismos, declinações e arcaísmos. Tudo isso porque no entremeado daquele corpo - todo contorcido na cama - havia livros com autoria do próprio paciente, um dicionário de expressões em latim e um netbook! Não hesitei em chamá-lo pelo nome, um pouco mais alto, por mais de três vezes, após repetir o “bom dia”, sem sucesso.
Imaginei (Réquiem aeternam dona eis domine – segundo Mozart Kv662): outro paciente sem poder conversar. Mas na hora percebi que apenas dormia. E como dormia! Recebi um grave e rouco “bom dia doutor dormi muito tarde, aliás cedo, já estava quase de manha quando desliguei meu computador... Troco o dia pela noite, fico escrevendo”.
Assim foi meu primeiro contato com o Stélio.
Disse a ele meu nome e depois conversamos um pouco sobre o ocorrido nos últimos dias, até sua vinda ao InCor. Informei que, juntamente com a equipe de médicos daquela unidade, iríamos dar continuidade ao seu tratamento. Naquele momento eu estava querendo saber como estavam os “trâmites legais” do pré-operatório. Ele, por sua vez, aparentou-se calmo e, informado sobre a cirurgia, disse que estava bem, porém, com sono. Mas eu sabia que, posteriormente iríamos conversar mais sobre o assunto. Jamais imaginei que ser convidado a participar deste trabalho, uma obra que revela o seu enfrentamento da situação - livro que imagino será revelador -, escrevendo a minha versão (visão do médico) sobre o fato.
E o fato é que não tenho vocação para escritor. Espero que meu relato/texto/resenha/anotação, ou seja lá como chamem, seja lapidado pelo nobre editor. Porém, eu posso assegurar que não tenho conflito de interesses, que não espero direitos autorais (mas, pelo menos uma cópia autografada!) e nem quero romper a relação médico-paciente, revelando informações sigilosas em desacordo com a sua vontade.
Na minha impressão, vejo que assim como outros milhares de escritores que tem a oportunidade de relatar parte de sua biografia, Stélio o faz de forma concisa e meticulosa, não guardando os pormenores. Por isso fico honrado de poder tentar esclarecer de forma coloquial, o modus operandis de sua internação.
Quero te dizer, caro Stélio, que apesar de estar se sentindo bem, o senhor é um cara forte e de sorte, pois, só pelo fato de vir do norte – (não! isso foi pela rima). Na verdade, a sorte é pelo fato de estar vivo. Tens lesões obstrutivas graves por placas de gordura em todas as principais artérias que irrigam o teu coração, (uma delas está até totalmente ocluída).
Enfim, és um sobrevivente de um infarto.
Poucos conseguem chegar até o hospital. No Brasil as doenças cardiovasculares matam cerca de 300 mil pessoas ao ano, o que corresponde a 820 óbitos por dia. Um pouco da função deste teu músculo cardíaco foi comprometido após este evento. Porém, o tratamento que estás recebendo (medicamentoso) e o que vai receber (cirúrgico), é capaz de restaurar parcialmente o dano, juntamente com as modificações em seu estilo de vida.
Fiquei feliz quando me disse que iria abandonar o cigarro. Porém ao mesmo tempo triste ao saber que vai, na verdade, substituir o cigarro pelo cachimbo (como me disse – na frente de sua irmã Rosângela e sua filha Stélia). Tudo bem que combina com um escritor umas cachimbadas introspectivas, mas não vale à pena soprar a vida para o alto, não é?
Stélio lembre-se: na vida de um escritor mais que um mecenas, uma linda e boa “macenas” ou até mesmo a Mega Sena, vale a Vida! E, se for para viver, que seja feliz, ou melhor, permanecer feliz!
Nem antes, nem depois, simplesmente já.
Luiz Ferreira - médico-cardiologista
Um novo amigo: Compadre Guilherme, sem dúvida a vida vivida sob o aspecto trágico capacita-nos para exercer a felicidade. É assim que venho reagindo e vivendo diante desta situação. Com isso tenho me fortalecido. Tua correspondência tem sido para mim de grande valia. Aliás, posso afirmar, com certeza, uma coisa: - Tuas palavras são medicinais! Falando em coisas como medicinais, o médico Luiz Ferreira, da equipe do Incor, dono de uma inteligência sofisticada, leitor de O Amor é Trágico, Ame, tem de revelado o novo amigo e quando pode, sempre aparece para uma prosa com este cambaleante sujeito acreano. Queria entrevistá-lo. Devido a situação, nao pude. O cardiologista, no entanto, não se fez de rogado e resolveu o problema: se dispôs escrever algumas palavras, aproveitando o domingo eleitoral. Eis, a razão pela qual publico acima, seu belo e inusitado. Com o devido muito obrigado, é claro.
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