terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um balanço, se for em tempo

Unidade Coronariana, 5 de outubro de 2010
Mano e compadre Guilherme,


Creio que se faz necessário, nesse instante em que se completam dez dias que estou em São Paulo, internado no Incor, um pequeno balanço de minha situação. E de meu enfrentamento.


Não foram dias fáceis.


Aliás, os dias não podem ser considerados fáceis, mesmo fora de hospitais. Por isso, de chofre, posso afirmar que não estou sendo um paciente infeliz, mesmo estando diante da possibilidade da morte, visto a gravidade do meu caso.


O tempo que passei na Unidade de Emergência ainda me inquieta com suas lembranças. Ali testemunhei momentos que ilustram a tragicidade da condição humana, coisas interessantes!


Durante a noite ficava a perceber os pacientes, cada um com suas dores, seus desesperos e dilemas. Nem por isso eles deixam de nos ensinar alguma. Também se mostram seres anôninos que carregam, cada um a seu modo, a sua própria história de vida.


Ugo Benedetti, por exemplo, trabalhou muitos anos na multinacional Cônsul fazendo geladeiras. Depois passou a trabalhar prestando serviços. Aposentou-se. Ele comprou um sítio em Ibiúna, pois italiano gosta muita de trabalhar com a terra. Por isso em nosssas conversas, amiúde, se punha a falar de seu pomar, e da beleza de comer uma fruta tirada do pé, na mesma hora. Fiquei com água boca. A maior lição, no entanto, que Ugo Benedetti ensinou-me foi a de que o italiano gosta mais da família que da terra: ele está deixando o sítio morar com um dos filhos.


No setor de emergência do Incor não me senti muito desacomodado, apesar do entra e sai de gente; do corre-corre de médicos e enfermeiros, macas para lá e para cá Segundo uma antiga enfermeira do instituto, ela nunca vira um paciente usando um laptop, em seus 22 anos de carreira, ali naquele setor.


Foi também na Emergëncia que conheci uma pessoa interessante. Afonso Sávio, um ex-seminarista, estava a me olhar, de longe, curioso. Quando se aproximou, ele disse: Jamais esperava encontrar alguém com um livro neste local. Ainda mais com um dicionário de expeessóes latinas! – A partir daí ficamos amigos, trocamos e-mails e ele passou a me escrever.
"Bom dia Amigo! Tudo bem com você? quem usa óculos, sabe a importância de usar a lente no grau certo, ou seja {a menor diferença é necessário fazer o ajuste. Assim é a VIDA!!! Bom ajuste!
Este foi o primeiro e-mail que recebi de Afonso Sávio, um sujeito que sempre carrega consigo um sorriso no rosto. O segundo texto que me enviou tamb[em era curto, mas poético: Buscamos alegres a vida viver/Sorrir e, quando possível/Amizades contruir/São grandes remedios/Para os que buscam saúde e paz. Ele finalizou dizendo: Tudo dará certo.Fique transquilo. Afonso S[avio também escreveu uma poesia muito bonita, em quadras, que oublicarei mais a frente, para o conhecimentos de todos.


Outros fatos interessantes sucederam-me na Emergência. E conforme a disposição, o tempo e a memória, e, calro, a inspiração eu irei relatando-os. Enquanto isso - agora na UCO - às vésperas da cirurgia, fico a matutar sobre o meu futuro.
Se futuro ainda tiver.
Acho que foi, Guilherme, um ledo engano me entusiasmar com o conforto aparente de ter um local reservado, com TV e leito mecanizado. Aqui o que me esperava era a condi;áo pré-operatória: estava condenado ao leito. Urinar, somente no papagaio. Confesso que fiquei craque em mijar nesse negócio.


Teve uma vez que enchi ele todinho! E sem tomar um copo de cervejA!
Para evacuar o paciente tem três altarnativas, segundo a sua condição e diagnóstico. A primeira é ser levado de cadeira de rodas até o banheiro; a segunda é fazer no leito mesno, num recepiente que denomiam de "comadre".


Por fim, a terceira é fazer numa sentado numa cadeira preparada para tal, ao lado do leito. Muitos se cagam aleatoriamente, independente destas opções, para desespero de quem tem de limpar o leito. E do paciente também, claro.


Náo é bom oara ninguém ficar envolto em merda. A minha situaçáo permitiu o uso da cadeira, com o quarto fechado, ao lado da cama, lendo um livro, um jornal ou usando o computador, afinal, sou um cagáo enjoado. E bota enjoado nisso.


A alimentação acompanhada rigorosamente nada deixa a desejar.Extremamente bem balanceada o cardápio leva em consideração a situação de cada paciente, individualmente.


Íncômodo mesmo são alguns tipos de remédios. As doloridas injeções que tomo na lateral da barriga - duas vezes ao dia - sáo torturantes. Mas, o trabalho das equipes médica e de enfermagem carece de elogio: ambas nada deixam a desejar. Talvez por isso, o Incor seja o Incor. Isso, claro, sem esquecer a estrutura tecnológica.


Mas, constrangimento náo deixaria de faltar.


Se vale considerar, neste momento, algum tipo de desconforto fora do necessário tratamento, eu considero o banho no leito o que mais salta aos olhos. Tanto para os enfermeiros como para o paciente. Ma, isso somente no início. Depois a gente se acostuma.


A primeira vez que me deram banho no leito foi inevitável constranger-me, principalmente, no instante de lavar as partes pudentas. De praxe são duas enfermeiras na atividade. Elas posicionam-se, cada uma numa lateral da cama para a empreitada. A dupla, comforme a experiência faz a higiente entre quinze e vinte minutos.


Na hora do ataque e invasão dos países baixos lembrei-me, compadre, do Élson Dantas e uma de suas boas tagarelices no Bar dos Papudos. Foi quando se puseram ao enxaguamento do pênis onde sempre aparecem secreções que se assemelham a queijo ralado.


Exatamente quando se fazia a limpeza no local foi que parecdu-me ouvi a voz trôpega do nosso amigo a explicar aquele acúmu-lo: chama-se esmegma e é uma substância que se forma entre a glande e o prepúcio do pênis, geralmente branco e pastoso, de odor fortemente característico, e populatmente conhecido como "sebo de pica".


***
A seguir - compadre Guilherme - brindemos, pois, os nossos leitores com mais um de seus belos textto. Fartem-se, ávidos de todas as matizes!


Magno amigo e compadre, Stélio!
Surgiu um raio de pensamento e que tem uma força muito forte apontando sempre em direção à Vida e à sua preservação.


E esse pensamento sonha e busca as coisas nobres dos instintos para estar feliz e afirmar ao máximo possível, a simultaneidade que há na Vida.
Minha labuta é sempre serena, pois viver é uma arte que me traz alegria e entusiasmo...
Viver é simpelsmente viver para mim; sem nenhum adjetivo pelo fato de nenhuma palavra poder expressar realmente o que é a Vida.
Mirei o sol alegremente e não tive medo de ser atingido pelos seus raios. Sua grandeza é a grandeza da vida que me segura...
Os pensamentos brotam suavemente ou com força vulcânica de um espírito livre...
Em nenhum momento da minha vida bocejei uma palavra sequer difamando a Vida.
Aprendi a digerir, até mesmo, os caluniadores e difamadores da Vida; a existência nunca foi para mim um peso, mas sempre uma canção.
A angústia para mim é benevolente, pois não tenho medo de conviver com os meus fantasmas interiores.
Louvo sempre os magnos desejos e amo as estrelas mais fulgurantes; seus brilhos refletem a minha alegria.
Saudações dionisíacas! - "A sorte favorece aos destemidos". - Do eterno irmão... Guilherme da Silva Cunha, um filósofo alegremente trágico!








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