segunda-feira, 4 de abril de 2011

O pior cego é o que não quer ver

Eis um ditado com profunda reflexão filosófica.
Talvez nenhum outro ofereça tantos ângulos de observações como este, que tem uma diversidade de facetas para todos os gostos; modos de apresentações diversificadas e que, mesmo assim, ainda dar de cara com o tipo que, simplesmente, não entende, não quer ver.

O vencido pela obtusidade. Este é o pior cego.

Quanto à origem do ditado, o mais corrente pelos quatro cantos do mundo enquanto visão enciclopédica é uma historieta que se revelou na Idade Média, na Europa, mas propriamente na velha França.

Sempre os franceses... E seus fricotes.

Contam os pesquisadores de abobrinhas que, em 1647, em Nimes, na França, onde existia uma universidade local de criteriosos estudos e grandes avanços, o doutor Vicent de Paul D`Argenrt fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão de nome Angel.

Eram meados do século XVII.

Como não poderia deixar de ser, o acontecimento foi uma revolução e um enorme sucesso para a medicina da época. Estranhamente, menos para Angel, o aldeão, que, assim que passou a enxergar ficou horrorizado com o mundo que via.

Talvez esperasse outra coisa do que passou a ver.

Disse ele, por exemplo, que o mundo que imaginava era muito melhor. Mais estranhamente ainda, porém, ele pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos, e que o cegasse novamente. Insistia no pedido, com veemência.

Ele queria voltar a ser cego.

O caso foi acabar no tribunal de Paris e no Vaticano. Angel, o aldeão francês ganhou a causa e entrou para história como o cego que não quis ver. Provou que poderia viver sem ter que ver um mundo tão cruel. E assim ele viveu os restos de seus dias. Sem nada ver.

A história é muito bonita, embora mais pareça uma parábola.

Ela, entretanto, não corresponderia ao ditado, pois, no caso, Angel, o aldeão, não se trataria do pior cego, mas meramente um cego de bom coração que optou em não ver a excrescência humana. Ou então o pior cego pode ter um bom ou um mau coração, não importa, basta apenas desistir de ver, que será o pior.

"O homem procura um princípio em nome do qual possa desprezar o homem. Inventa outro mundo para poder caluniar e sujar este; de fato só capta o nada e faz desse nada um Deus, uma verdade, chamados a julgar e condenar esta existência."

O ensinamento acima, de Nietzsche, ilustra que não interessa o mundo em que vivamos, sempre vamos procurar botar defeito nele, criar deuses, inventar verdades, julgar e condenar as pessoas. Somente enxergamos neste mundo aquilo que desejamos enxergar, aquilo que nos interessa.

Passa-se com o homem o mesmo que com a árvore.

“Quanto mais quer crescer para o alto e para a claridade, tanto mais suas raízes tendem para a terra, para baixo, para a treva, para a profundeza - para o mal”, ilustra o ilustre bigodudo Nietzsche.

Outros opinam que esse tipo de homem que não quer ver, é que nem um avestruz que mete a cabeça no buraco para nada ver. Mas a verdade não é bem assim. Pelo menos sobre o avestruz, bastante injustiçado neste caso.

O avestruz não mete a cabeça no buraco para deixar de ver. Ou se esconder, mas para comer.

Ora, o avestruz é a maior ave do planeta, sempre carregou a fama de ser um animal frágil e medroso. Não é ele que, em desenhos animados ou histórias em quadrinhos, diante de qualquer dificuldade, corre para enterrar a cabeça em um buraco?

Pura lenda.

Esse comportamento, na verdade, não tem nada de covarde, mas é natural do bicho que passa grande parte do seu dia comendo. Os pesquisadores descobriram que, ao meter a cabeça num buraco, o avestruz não faz nada mais do que procurar algum tipo de roedor ou outro vertebrado para matar sua insaciável fome.

Portanto, não o usem como exemplo da cegueira ignorante que é própria do homem. Por isso é que Nietzsche nos alerta sobre essa inteligente questão:

- O homem que vê mal vê sempre menos do que aquilo que há para ver; o homem que ouve mal ouve sempre algo mais do que aquilo que há para ouvir. Assim, fica claro que a ótica humana, por ser subjetiva, é limitada e inconfiável.

Se o aldeão francês se recusou a ver tanta ignomínia sobre a terra, por que não buscou ver o seu oposto? Por que ignorou a arte? O teatro estava lá, a música tocava nos violinos, os versos varavam as madrugadas. Mas ele não quis saber de nada disso. Ele somente enxergou o mal, como mandava seu coração.

Tinha mais era que ficar cego mesmo, o bruto.

"Só como fenômeno estético a existência e o mundo aparecem eternamente justificados." Como fenômeno estético, pois, concebemos a própria arte. E a arte, para Nietzsche ajuda a suportar a vida. Mas, “há espíritos que escurecem suas águas para fazê-las parecer profundas”. Para esse estará sempre à mostra o trágico inerente à existência, sem que seu antídoto, a alegria possa ter a sua vez de ser contemplada, vivida. A alegria, o antídoto, para o trágico.

Cada um somente ver o que lhe convém, por isso Nietzsche afirmou:

- As paisagens insignificantes existem para os grandes paisagistas; as paisagens raras e notáveis são para os pequenos.

Em tudo, o infeliz prefere ver o desarranjo, a nevasca, a tempestade de areia e a inundação sinistra que mata o homem. O homem que não deseja enxergar a vida, apenas ver loucura em tudo, esquecendo-se que “nos indivíduos, a loucura é algo raro, mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra”, como observava Nietzsche.

Que enxerguemos, pois, todas as nuances da existência humana.

E que percebamos, por fim, que uma boa dose de loucura faz muito bem para a saúde. O que não faz bem às pessoas, de modo geral, é fazê-las enxergar um mundo imaginário e um deus invisível.

Mas isso, os tolos enxergam. Até o pior cego também, quero crer.

Não é por outra coisa que sou forçado a crer que, a rigor, o pior cego não é só exatamente aquele que não quer ver, mas também aquele que ver o que não existe. E pior, crer.

O cristão, por exemplo.













Um comentário:

12346 disse...

Olá Antonio Stélio, li o artigo q fala sobre o "pior cego", no final deste comentário vc coloca que: "o pior cego seria o cristão", correto? fiquei curioso para saber o que o levou a esta conclusão.
Se quiser gostaria de discutir o assunto... Valeu Rodrigo.