Sorri quando a dor te torturar
E a saudade atormentar
Os teus dias tristonhos vazios
Sorri quando tudo terminar
Quando nada mais restar
Do teu sonho encantador
Sorri quando o sol perder a luz
E sentires uma cruz
Nos teus ombros cansados doridos
Sorri vai mentindo a sua dor
E ao notar que tu sorris
Todo mundo irá supor
Que és feliz
O poema belamente musicado de Charles Chaplin, logo na abertura desta crônica, não deixa dúvida: nem toda brincadeira tem um fundo de verdade, mas existe brincadeira de verdade, ou seja, que é pura brincadeira mesma. Pelo menos é o que podemos apreender como em silogismo: a brincadeira é brincadeira, logo é verdade que é brincadeira.
O que o ditado, afinal, quer dizer é que pode existir alguma crítica, geralmente maledicente, em algumas brincadeiras. O que também ocorre de praxe. Não raro, as pessoas que não tem coragem de desembuchar suas verdades recalcadas ou suas invejas vergonhosas utilizam de subterfúgios para dizer uma coisa ou outra.
Também não é raro costumarmos dizer: quando tudo começou não passava de brincadeiras... Se tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando, falei muitas vezes como um palhaço, mas jamais duvidei da sinceridade da plateia que sorria, afirmou ainda o velho Chaplin.
Brincadeira e verdade, a rigor, não tem nada uma a ver com a outra. Mas não são objetos dissonantes, coisas que, como água e óleo, não se misturam. Estas se misturam, sim.
Tão pouco são implicitamente desassociativas.
Perdido seja para nós aquele dia em que não se dançou nem uma vez! E falsa seja para nós toda a verdade que não tenha sido acompanhada por uma gargalhada! – prega Nietzsche. Logo ele, um sabedor que somente a alegria é o melhor remédio para que o homem possa suportar sua trágica existência.
Contudo, não creio que devamos levar ao pé da letra o ditado.
Isso seria uma enorme consideração com a brincadeira em si. Afinal, brincadeira tem limite. Quem não brinca não vive. Quem não tem a alegria dentro de si não pode ser uma pessoa feliz. Dentro do permitido circo trágico.
A brincadeira é o oxigênio das emoções humanas.
Nietzsche, em sua dor quase eterna, em vida, nunca deixou de fazer suas brincadeiras, algumas ferinas, mas sem pretensão de verdades absolutas, porque era um homem que abominava as convicções.
(...) foi o próprio Deus que ao fim de sua obra se disfarçou de serpente indo se deitar sob a árvore do conhecimento: assim ele se restabeleceu do fato de ser Deus... Ele havia feito tudo demasiadamente belo... Brincava, infantilmente, o filósofo.
O que agrava a existência humana nestes dias são as desconfianças, a selvageria do corre-corre que não permite gentilezas. Ou pelo menos desconfiamos delas. O mundo criou regras sob um capitalismo que ainda permanece selvagem em sua essência e arrasa vidas quando colide, grosseiramente, com as emoções.
Não por outra coisa, afirmo: para viver sob o capitalismo é necessário socializar as emoções.
Nele, é proibido brincar, parece.
As pessoas vivem dizendo verdades e mentiras com uma seriedade invejável. Portanto, não venham utilizar a brincadeira nessa concupiscência de sua vaidade sem sentido, e, muito menos, fazer da brincadeira um instrumento da sua maldade. Principalmente isso.
Que morram, pois, os que não sabem brincar! Pelo menos assim, somente teríamos crianças no mundo. As crianças brincam de verdade e seus olhos espelham a diversão feliz e inata da brincadeira pueril. Com seriedade.
Brinquemos em comum, crianças, adultos e velhos, numa ciranda enorme, com as mãos dadas e festejemos a alegria de viver, apesar da ignomínia humana. Que os homens jamais desaprendam que nunca se passa da hora de brincar!
Assim seremos mais gentis um com o outro.
Culpamos as pessoas das quais não gostamos pelas gentilezas que nos demonstram. Elogiamos ou criticamos de acordo com a maior oportunidade que o elogio ou a crítica oferecem para fazer brilhar a nossa capacidade de julgamento, escreveu Nietzsche, que completa: em certas pessoas, o alegrar-se com um elogio, é apenas uma delicadeza do coração - e precisamente o contrário de uma vaidade do espírito.
Podemos sim colocar a verdade onde quisermos - brincando ou taciturnamente - o que não podemos é deixar de por a verdade em nossa vida, como princípio; não podemos deixar de brincar sempre que pudermos e, principalmente, não podemos deixar de nos alegrar como norma de ser feliz.
O filósofo, como o entendo, é um explosivo terrível na presença do qual tudo está em perigo. Ao afirmar tais palavras, nosso filósofo se coloca acima dessa querela, e aposta que o pensador é uma metamorfose ambulante – como diria Raul Seixas – prestes a explodir, seja na brincadeira ou no que seja vero.
Por isso Nietzsche se dizia uma dinamite.
Ora, as brincadeiras embutidas de críticas (ou “verdades”, como queiram) apenas tem um sentido: emitir uma opinião covarde. Quem não tem confiança em si usa de maneira enviesada para se expressar. A covardia é dupla quando se usa a brincadeira.
Se temos que mudar de opinião a respeito de alguém levamos-lhe muito a mal o incômodo que assim nos causa. Essa é a explicação de Nietzsche para o caso. Nós, nos autodenunciamos quando mudamos o pensamento sobre o outrem.
A brincadeira disfarça. É uma desgraça.
Tudo é uma questão de valores. Seguir o que a sociedade podre exala de podridão é a lei. Moralidade é apenas o invólucro que o poder usa para saciar sua tara por mais poder.
Cobrem com falsa decência a indecência de seus valores.
Ter-se vergonha da sua imoralidade: é um degrau na escada em cujo extremo se tem também vergonha da nossa moralidade. Eis o que revela o profeta que desmistificou os valores. Mesmo assim, a podridão fede de longe.
E o homem comum se sujeita isso.
E faz da brincadeira um instrumento de sua submissão moral e intelectual
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