sexta-feira, 11 de março de 2011

Quem vê cara não vê coração



O dito acima é irmão-gêmeo de “as aparências enganam”.

Isso significa que ambos podem ter a mesma vó. Ou quase. Bom, é mais do que sabido que as pessoas aparentam não exatamente aquilo que elas realmente são. Daí a surpresa que, não rara, nós temos aqui e acolá com a personalidade alheia.

As pessoas, na vida, mais representam do que se apresentam.

A exposição de cada um - mesmo que diária - se manifesta segundo o momento, o acaso. Temos também que levar em consideração o seu estado de espírito.

Ah, como as pessoas tem que rebolar nesta vida.

As máscaras são tantas que tem papéis para todos os gostos. Pode-se ter uma atuação de bonzinho e ser, na verdade, muito mau, cruel. Aliás, sabemos que a expressão existe justamente para orientar prudência em relação à gente maldosa, mas com impecável apresentação de boa conduta.

Era por tudo isso que vovó sempre alertava os netinhos contra esta armadilha humana:

- Cuidado, muito cuidado, as pessoas podem não ser o que dizem que são. Cuidado, quem vê cara não vê coração.

E, para rimar nesta conjecturação, vovó sempre tinha razão.

"Há uma exuberância na bondade que parece ser maldade”, já alertava Nietzsche que, apesar de não ser avô de ninguém, era preocupado com a falsidade humana numa existência que deveria ser sempre louvada. Ele sabia que as pessoas se travestiam: eram lobos em pele de cordeiro.

O bom Nietzsche – dono de uma existência perturbada – incorporava o poeta Zaratustra e pregava: Torna-te quem és... Justamente numa tentativa de trazer à tona o que, verdadeiramente, somos. Não aquilo que aparentamos ser.

No entanto, qual um Jesus tresloucado com o mercado em que transformaram a casa de seu pai, ele também se irritava com a ignomínia abundante, e vociferava:

- ... E essa tolerância, esse 'largeur' do coração que tudo 'perdoa' porque tudo 'compreende', é para nós como o vento Siroco... – Assim, Nietzsche desconfiava da representação exagerada e melosa de muito tipo de gente.

Nietzsche talvez tenha seguido o conselho de sua vó.

Quando estive no Egito conheci o Siroco.

Navegando pelo Nilo à noite ou cavalgando pelo Saara ele bafejava meu rosto cansado. O vento quente, muito seco, que sopra em direção ao litoral Norte da África possui esse apelido.

Morno, se apresenta doce.

Mas, enquanto fenômeno, o vento Siroco causa gigantescas tempestades de areia no deserto e manifesta-se quando baixas pressões reinam sobre o mar Mediterrâneo.

Parece uma coisa, mas é outra.

Alguém já escreveu que de onde a gente menos espera é que sai. Por isso, o oposto do coração maldito também não deixa de se revelar vez por outra. O mau também se revela bom. Às vezes as pessoas nos surpreendem e um vilão se torna mocinho.

Aliás, Nietzsche tinha ojeriza às personalidades que descambavam para o vazio ou a neutralidade. “Odeio as almas estreitas, sem bálsamo e sem veneno, feitas sem nada de bondade e sem nada de maldade”. Tal espírito é o mesmo que papinha ensossa.

E essa papinha, com certeza, vovó não colocava na minha boca.









Nenhum comentário: