quarta-feira, 30 de março de 2011

Dizem que o amor é cego...



“O amor é o estado no qual os homens tem mais possibilidade de ver as coisas tal como elas não são”. Pronto! Em apenas uma frase Nietzsche explicou tudo, e deixou bem claro porque o amor, definitivamente, é cego. Simplesmente, o apaixonado ver as coisas por uma lógica diferente, ilógica aos olhos da maioria.

Nietzsche foi cirúrgico, perfeito, sintético, profundo.

O amor envolve corpo e mente, e ambos ficam anestesiados. Somente quem sente o que diz sentir pode sentir verdadeiramente o que sente. Somente quem está apaixonado pode saber o que ver, embora o que veja, não seja, necessariamente, o que todos vemos.

Quem ama vê unicamente.

Vovó dizia que o amor é cego porque quem ama o feio, bonito este lhe parece. Podem dizer o que quiserem, mas não existe feiura na pessoa amada, do ponto de vista daquela que a ama.

O que existe é “uma beleza diferente e exótica” para a pessoa apaixonada.

Mais eloquente sobre o amor, sem dúvida, são os poetas, seja o amor cego ou ligeiramente vesgo, é bom que se diga, somente os vates sabem vaticinar algo que mais se aproxima, verdadeiramente, de uma explicação para esta cegueira. Ou ilusão. Eu mesmo, eu um de meus poemas, assim me declarei:

- te amo tão completamente/que o amor transborda/incessantemente/inundando o coração/é um amor tão louco/ que não se compara/nem ao céu/nem ao oceano/e o universo/é pouco/mas/eu te amo tão profundamente/que caso amor e perfeição/e tudo/tudo pulsa/numa só pulsação.

A visão gigantesca desse amor somente por mim era sentida. Sua dimensão era tudo o que pudesse ser abarcado, e sua profundidade tudo que pudesse ser penetrável. O universo era pouco. O amor que sentia era o mundo inteiro. E era só o que enxergava.

Mas, o que existe além dele?

"Quando amamos, queremos que nossos defeitos permaneçam ocultos, não por vaidade, mas porque o objeto amado não deve sofrer. Sim, aquele que ama desejaria aparecer como um deus, e isto não por vaidade."

Esta é a resposta de Nietzsche.

Mas, a ciência moderna também se envereda por esta trilha perigosa e arrisca com muitas de suas deduções, pesquisas, estudos, sempre em busca de uma resposta para a insanidade e para a cegueira amorosa.

As explicações abundam para todos os gostos.

Alguns destes estudos, por exemplo, explica que quando a pessoa está apaixonada por alguém, seu cérebro desativa estruturas responsáveis pelo julgamento crítico, para nos manter alerta contra ameaças do ambiente.

Pelo menos é isto o que dizem alguns especialistas.

E eles vão mais além: os mecanismos cerebrais que identificam as atitudes dos outros de forma crítica são desativados. Dessa forma o apaixonado dificilmente consegue ver os defeitos e desconfiar da pessoa amada, afirma um neurologista. "O amor torna o cérebro humano literalmente incapaz de prestar atenção em rostos muito bonitos”, explicam os cientistas.

Algum fundo de verdade isso tem, pois, nosso metabolismo é outro quando estamos apaixonados. Parece que pisamos em ovos sem quebrá-los e ficamos nas nuvens sem voar.

Sim, definitivamente, o estado de quem está apaixonado é mágico.

Simplesmente mágico. Magistralmente mágico. Talvez por isso a única explicação ou justificação plausível seja algo da mesma natureza, de igual semelhança: algo mágico, poeticamente mágico. Humanamente mágico.

Ou isso ou continuamos envolvido nesse processo de alquimia.

"Para a maioria, quão pequena é a porção de prazer que basta para fazer a vida agradável!", esbraveja, pois, contundente, o velho Nietzsche, como quem sabe que o amor é apenas um pingo que tempera a imensidão da alma.

Como uma gota de perfume que inebria.

Contudo, devido ao caráter trágico do amor que traz em sua essência toda a sua animalidade, muitos acabam se perdendo nela, cegando-se para sempre. Por isso, para muitos, o amor torna-se um verdadeiro inferno.

O amor não é um enfeite, mas uma parte da condição humana.

Daí que muitos amantes entram em agonia. Pelo menos aqueles que incham o amor com adjetivações que nada tem a ver com o instinto natural desse sentimento, que é demasiadamente humana, profundamente necessário à nossa existência e, principalmente, ele não veste as carapuças ou roupagens de valores com que querem orná-lo. Por isso ou se cega ou se quebra, a cara, claro.

Do céu para o inferno a via é tênue. E veloz.

"Até Deus tem um inferno: é o seu amor pelos homens”, cantou Nietzsche como o profeta Zaratustra tentando mostrar que o amor é uma necessidade. Tão necessário que até Deus carece dele. E como toda necessidade deve ser usada com equilíbrio, sem exagero, para não se quebrar a harmonia nem fugir da medida certa.

Pois, como dizia minha Vó, “água de mais mata a planta”.





segunda-feira, 21 de março de 2011

Eles que são brancos que se entendam

“Você que inventou esse Estado, inventou de inventar toda escuridão, você que inventou o pecado, esqueceu-se de inventar o perdão...”. (Chico Buarque)



Nossos patrícios portugueses, inequivocamente, foram os responsáveis pela maioria dos ditados que ainda hoje cultivamos e que fazem parte de nossa cultura popular, largamente divulgados.

O ditado eles que são brancos que se entendem, com origem em um período que os negros sofriam preconceitos raciais, pasmem, não deixou também de ser um ato de preconceito em relação aos brancos.

A raça humana sempre teve dificuldade de compreender que é apenas uma raça. Nada mais que isso.

Conforme reza como uma quase lenda, a origem deste ditado registra uma das primeiras punições impostas aos racistas do tempo mais racista no Brasil, ainda no século XVIII.

Assim, conta-se, amiúde, esta história:

- Um mulato, capitão de regimento, teve uma discussão com um de seus comandados e queixou-se a seu superior, um oficial português. Branco, evidentemente. O capitão reivindicava a punição do soldado que o desrespeitara. Como resposta, ouviu do português a seguinte frase: “Vocês que são pardos, que se entendam”.

O oficial queria deixar que a pendenga se resolvesse entre os negros.

O capitão ficou indignado e recorreu à instância superior, na pessoa de dom Luís de Vasconcelos (1742-1807), 12° vice-rei do Brasil. Ao tomar conhecimento dos fatos, dom Luís mandou prender o preconceituoso oficial português, que estranhou a atitude do vice-rei.

Mas, dom Luís se explicou:

- Nós somos brancos, cá nos entendemos.

Aqui vem à tona um outro e velho ditado popular: quem com ferro fere, com ferro será ferido. O certo é que dom Luís não deixou o caso “passar em branco”, para irritação de seu patrício e contentamento do reclamante. Se verdadeira ou falsa esta história, pelo menos convenhamos que seja muito bonita.

E bastante didática.

Em primeiro lugar constatamos que, nesse caso, se vivenciava uma relação de poder, de hierarquia. “Em qualquer lugar onde encontro uma criatura viva, encontro desejo de poder”, já detectava o mestre Nietzsche. De poder e de julgamento. Os seres humanos adoram julgar seus semelhantes.

Daí as relações extremamente política da existência humana.

"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música." Era a crítica do filósofo alemão à incompreensão do sentido das coisas e à limitação do homem em sua capacidade de julgar.

A falta de discernimento de muitos faz a sapiência de poucos.

Ora, ainda hoje a ordem constituída se estabelece entre iguais e desiguais que devem não somente se entender, mas, sobretudo, compreender e obedecer. E os grupos sociais tem sim, ao que parece, levado muito em consideração esses adágios tão arraigados na cultura popular.

Vovó que o diga.

Eles que são brancos que se entendam, é o mesmo que, cada macaco no seu galho, manda quem pode e obedece quem tem juízo ou ainda o velho cada qual com seu cada qual.

E como se tem levado isso ao pé da letra.

Quem não detectaria aqui tão facilmente uma velha questão nietzschiana como a moral de rebanho? "A moralidade é o instinto do rebanho no indivíduo”. Mais claro que isso, impossível.

E fazem de tudo para manter tal status quo.

Por isso, Nietzsche ainda dedura os que de alguma maneira ganham com exercício de poder. “O idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu inferno”.

O homem sempre deseja sobrepor-se ao outro.

E também não podemos esquecer que o homem adora exercer esse poder sobre outro homem, tem fascinação por isso, e o nosso pensador em questão não titubeia nesse quesito: "Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos”.

E, nesse caso, não interessa que seja negro, branco, ou amarelo.

A grande sacada é que o ser humano tem que trilhar (e brilhar) em seu caminho. Ele foi jogado neste mundo. Arremessado nesta existência. Aprendeu a andar, então ande! Esses preconceitozinhos mixurucas são apenas mesquinharias da existência humana e próprias dos homens inferiores.

Nunca se esqueça do ser que verdadeiramente és. Sem metafísica.

"Eu tenho o meu caminho. Você tem o seu caminho. Portanto, quanto ao caminho direito, o caminho correto, e o único caminho, isso não existe”. Esta afirmação de Nietzsche é belamente trágica: cada um sabe de si. Não existem verdades absolutas.

Mas, uma coisa, com certeza existe: você.

Não foi por outra coisa que Nietzsche fez questão de, ironicamente, mexer com os brios de Descartes, e nos deixou este minúsculo e pretensioso aforismo:

- Existo, logo penso!





terça-feira, 15 de março de 2011

Palavras de mulher



Tenho a felicidade de me corresponder com uma boa e afável Inteligência acriana que, vez por outra me surpreende com seu texto, por certo, cativante. Por isso não posso deixar de compartilhá-lo com meus leitores. Vejam, e leiam o que escreveu a minha amiga secreta.

Boa noite, mon ami. Estou cá a te perturbar, de novo!

Olhou pela janela?
Uma linda cortina de prata líquida desfila por ela e uma densa nuvem de intempestivos sentimentos a tornam mais densa e mais prateada, deixando a noite magnífica.
Aqui onde estou chove a cântaros, e o cheiro de vida vem junto com a fresca da noite.
Uma calmaria turbulenta aflora em mim... Anseio e receio pelo que desconheço.
Do meu nicho, percebo um mundo além da minha densa cortina de prata, e nele entranho.
Comtemplo vultos indistintos a rodopiar nas dobras da minha chuva, posso ouvi-los , embora não reconheça suas palavras :- Ainda assim falam e posso ouvi-los.
Amo e me entrego às cores da chuva! - Tão belas.
A prata de suas lágrimas doces e revigorantes...
A cinza dos interstícios entre cada gota...
A branca da translúcida chama interior de cada gota...
A negra, com sua luminescência mágica e opaca.....
Levante, mon ami , e comtemple a chuva.
Hoje isso te foi oferecido, como tantas outras vezes já o foram.
A diferença, é que hoje , te foi permitido estar aqui para contemplá-la.
Um coração remanufaturado, encimado por olhos cansados.
Boa noite, mon ami

sexta-feira, 11 de março de 2011

Quem vê cara não vê coração



O dito acima é irmão-gêmeo de “as aparências enganam”.

Isso significa que ambos podem ter a mesma vó. Ou quase. Bom, é mais do que sabido que as pessoas aparentam não exatamente aquilo que elas realmente são. Daí a surpresa que, não rara, nós temos aqui e acolá com a personalidade alheia.

As pessoas, na vida, mais representam do que se apresentam.

A exposição de cada um - mesmo que diária - se manifesta segundo o momento, o acaso. Temos também que levar em consideração o seu estado de espírito.

Ah, como as pessoas tem que rebolar nesta vida.

As máscaras são tantas que tem papéis para todos os gostos. Pode-se ter uma atuação de bonzinho e ser, na verdade, muito mau, cruel. Aliás, sabemos que a expressão existe justamente para orientar prudência em relação à gente maldosa, mas com impecável apresentação de boa conduta.

Era por tudo isso que vovó sempre alertava os netinhos contra esta armadilha humana:

- Cuidado, muito cuidado, as pessoas podem não ser o que dizem que são. Cuidado, quem vê cara não vê coração.

E, para rimar nesta conjecturação, vovó sempre tinha razão.

"Há uma exuberância na bondade que parece ser maldade”, já alertava Nietzsche que, apesar de não ser avô de ninguém, era preocupado com a falsidade humana numa existência que deveria ser sempre louvada. Ele sabia que as pessoas se travestiam: eram lobos em pele de cordeiro.

O bom Nietzsche – dono de uma existência perturbada – incorporava o poeta Zaratustra e pregava: Torna-te quem és... Justamente numa tentativa de trazer à tona o que, verdadeiramente, somos. Não aquilo que aparentamos ser.

No entanto, qual um Jesus tresloucado com o mercado em que transformaram a casa de seu pai, ele também se irritava com a ignomínia abundante, e vociferava:

- ... E essa tolerância, esse 'largeur' do coração que tudo 'perdoa' porque tudo 'compreende', é para nós como o vento Siroco... – Assim, Nietzsche desconfiava da representação exagerada e melosa de muito tipo de gente.

Nietzsche talvez tenha seguido o conselho de sua vó.

Quando estive no Egito conheci o Siroco.

Navegando pelo Nilo à noite ou cavalgando pelo Saara ele bafejava meu rosto cansado. O vento quente, muito seco, que sopra em direção ao litoral Norte da África possui esse apelido.

Morno, se apresenta doce.

Mas, enquanto fenômeno, o vento Siroco causa gigantescas tempestades de areia no deserto e manifesta-se quando baixas pressões reinam sobre o mar Mediterrâneo.

Parece uma coisa, mas é outra.

Alguém já escreveu que de onde a gente menos espera é que sai. Por isso, o oposto do coração maldito também não deixa de se revelar vez por outra. O mau também se revela bom. Às vezes as pessoas nos surpreendem e um vilão se torna mocinho.

Aliás, Nietzsche tinha ojeriza às personalidades que descambavam para o vazio ou a neutralidade. “Odeio as almas estreitas, sem bálsamo e sem veneno, feitas sem nada de bondade e sem nada de maldade”. Tal espírito é o mesmo que papinha ensossa.

E essa papinha, com certeza, vovó não colocava na minha boca.









quinta-feira, 10 de março de 2011

Antonio Stélio: Cinquent’anos

Antonio Stélio: Cinquent’anos: "MOURA NETO Aos cinquent’anos, hermanos, será que ainda mergulhamos afoitos no mar da imprudência? Será que ainda queremos subverter a or..."

quarta-feira, 9 de março de 2011

Cinquent’anos

MOURA NETO

Aos cinquent’anos, hermanos, será que ainda mergulhamos afoitos no mar da imprudência? Será que ainda queremos subverter a ordem das coisas, testar nossos limites, romper fronteiras e explorar caminhos ainda não trilhados pelos nossos iguais?

Será que ainda somos capazes de embarcar nas viagens psicodélicas do rock progressivo de Pink Floyd? Navegar na voz estridente de Janis Joplin ou na melodia chorosa de Billie Holiday com a mesma voragem dos infantes que já fomos?

Aos cinquent’anos, hermanos, será que já conseguimos nos libertar da nostalgia entorpecente que nos aprisiona os sentidos quando nos voltamos para os dias fulgurantes de outrora? As tertúlias subversivas no 307 do Wimbledon? O alucinante chá das 5 no Verso e Prosa? As noitadas inconseqüentes no Boca Bar?

Será que ainda temos fôlego para refazer a trilha inca até Machu Picchu? Ou penetrar na floresta para celebrar a vida com os xamãs? Ou ainda, quem sabe, concretizar o tão sonhado projeto do caminho de Compostela? Ou se aventurar no silêncio abismal dos redutos dos monges budistas no Himalaia?

Aos cinquent’anos, hermanos, será que ainda temos a inocência dos que sofrem por amor, dos que se atiram como suicidas às paixões exacerbadas e dos que encontram poesia na banalidade do cotidiano: o cão que ladra, a criança que aprende a andar de bicicleta, o carteiro que confere endereços para entregar a correspondência?

Será que já temos maturidade profissional para escrever o livro que jaz em anotações intermináveis? Será que ainda uma vez mais retornaremos aos pampas para tomar chimarrão nas pracinhas sob o sol ameno do inverno gaúcho? Será que voltaremos a nos encontrar no planalto para trocar confidências sobre os habitantes da antiga aldeia? Será que ainda nos embriagaremos com a alma feminina com um dia nos embriagou Dorothy Lamour?

Aos cinquent’anos, hermanos, será que não chegamos à idade da razão? Não será chegada a hora de investigar nossos pensamentos mais secretos para descobrimos o novo ser que nos habita e que anseia em se apresentar na plenitude da nossa consciência?

Será que já não domamos nossos instintos selvagens e rebeldes e da convivência que tivemos conosco mesmo podemos extrair lições para os nossos descendentes? Será que já não é possível olhar para as rugas que teimam em nos afrontar o rosto e sentir que valeu a pena viver tudo o que foi vivido, todas as alegrias mais alegres e todas as tristezas mais tristes que experimentamos?

Aos cinquent’anos, hermanos, será que já não temos a calma reconfortante para saber esperar o futuro com paciência: como quem espera pelo sol ou como quem espera pela lua?

quarta-feira, 2 de março de 2011

O que não me mata me fortalece



“Eu quis morrer, então eu via que eu não morria, eu só queria morrer de muito amor por ti...”, sonorizava Nana Caymmi.


A frase autenticamente nietzschiana popularizou-se porque deixou as academias e adentou pelos cafés, bares, restaurante e conversas de grupos mais chegados às questões filosóficas.

Logo virou expressão entre eruditos.

E logo vovó ouviu a conversa e achou a frase interessante. Sem pejo e com muita compreensão de seu significado, ela passou a bola para frente. E vovó falava até com maestria quando se expressa com o que não me mata me fortalece. Mas que também se expressa com o que não mata, engorda.

Vovó sempre foi mulher de exemplo

Ela dava aulas sobre o seu significado. Felizes dos netos que aprenderam a lição. “O que não provoca minha morte faz com que eu fique mais forte” ou ainda melhor “da escola de guerra da vida: o que não me mata, torna-me mais forte." A rigor, foram as palavras de Nietzsche. Outras publicações dão conta de traduções, tais como “aquilo que não me destrói fortalece-me”.

Mas vovó falava das superações, da dor do enfrentamento da vida, da tragicidade da existência humana, com suas agruras e impertinências a serem superadas. Falava do esforço para não morrer. Do aprendizado que a vida ensinava para fortalecer com a experiência. Para vovó tudo é assim, bem simples.

Tudo é seis. Tudo é meia-dúzia. Tudo é Nietzsche.

Ora, a vida sendo trágica é mais do que natural que as pessoas atravessem acasos muitas vezes nada agradáveis. Os percalços da vida calejam corações e almas, assim como calejam a mão do roceiro trabalhador.

As dificuldades alimentam o espírito de força.

Quem passou por grandes perdas e sobreviveu. Superou-se, se fortaleceu. Não morreu. Quem sofreu uma grande frustração de amor e deu a volta por cima saiu-se mais fortalecido para a vida e para lidar melhor com as armadilhas do amor.

A vida tem uma didática esquisita: ensina na bordoada.

“A vontade se superar um afeto não é, em última análise, senão vontade de um outro ou de vários outros afetos”, eis o que diagnóstica o médico de almas livres, o doutor Nietzsche.

Ele sabia que as emoções falam mais alto que as razões.

Alguém afirmou que ninguém sai de um episódio melhor ou pior do que entrou, mas, com certeza, sai mais resistente, mais imunizado, mais forte para enfrentar desafios semelhantes.

E nesse caso, a subjetividade é que manda e decide. Não há uma regra.

Quem supera um câncer, quem passa por uma cirurgia cardíaca e quem consegue sobreviver diante de uma doença tida como incurável, não pode sair a mesma pessoa dessa situação. O tempo prova que a pessoa, de alguma maneira se modificou e se fortaleceu em algumas de suas manifestações de personalidades.

Ninguém é tão burra que não consiga aprender uma lição.

"Tudo o que é reto mente. Toda verdade é sinuosa. O próprio tempo é um círculo”, ensina Nietzsche, que esclarece que dentro deste tempo a gente manifesta as mudanças que adquirimos, como uma “verdade sinuosa”.

O próprio Nietzsche não deixou de ser cobaia de si mesmo

“Mesmo nos tempos de mais grave doença, nunca me tornei doentio”, escrevera. E ele foi um doente que nunca usou sua doença para choramingar, se fortalecia com ela.

Nietzsche nunca teve um amor feliz.

Nem mesmo Lou Salomé, a quem tanto amou, deu-lhe a alegria dos beijos apaixonados e a experiência de um relacionamento intelectualizado. Mas, nem por isso, Nietzsche deixou de falar de amor com tanta propriedade, com tanta sapiência.

Ele chafurdou o quanto pode com as libertinas de Paris – que para ele eram espíritos livres – onde ganhou vasta experiência amorosa, e uma sífilis, da qual nunca se livrou e que pode tê-lo matado.

Todo o seu sofrimento em vida nunca o definharam.

Seu sofrimento o fortaleceu. Suas fortes e constantes dores de cabeça amenizadas pela morfina, não o impediram de refletir sobra a existência e de reafirmar, com alegria um enorme amor pela vida, que ele chamava de amor fati.

Amar a vida, eis o que fortalece o homem.