sábado, 7 de maio de 2011

Ela chorou por bin Laden

Eu tenho uma amiga mulçumana.

Ela não usa burca nem se veste com o rigor de seus pares orientais. Ela está bastante ocidentalizada. Fala bem o português. É tradutora para o árabe. Vive na ponte aérea entre o Rio de Janeiro e São Paulo, sempre carregando uma penca de trabalhos acadêmicos, os quais são analisados por seus patrões editoriais, após verter de uma língua para outra.

Ela é apaixonada pelo Brasil.

Num ropante veio me ver em Natal. Chegou avisando com apenas algumas horas de antecedência. E ficou por apenas dois dias: um sábado e um domingo. Pagou o hotel, mas não ocupou o quarto. Me fez companhia todo o tempo. Foi minha hóspede em meu apartamento na Praia do Meio.

Nos conhecemos em Ribeirão Preto há muitos anos, e nos identificamos pelo amor à literatura. Aprendi muito com ela.

Em Natal comemos chambaril, escondidinho e paçoca. Andamos pelo litoral. Ponta Negra, Pium, São Miguel do Gostoso, Santa Rita e pelos bares da cidade, onde turista não anda, mas que eu conheço muito bem, depois de mais de duas décadas frequentando esta cidade.

Ela estava comigo quando a mídia capitalista fez a lambança ao anunciar o assassinato do terrorista Osama bin Laden. Nádia, então, chorou, chorou baixinho. Um choro comedido, silencioso, inédito e misterioso para mim. Não sei porque Nádia chorou. Se de tristeza, de alegria, não sei, confesso.

Mas é certo que Nádia chorou por bin Laden. Ou por sua morte.

"Os Estados Unidos satanizam o mundo e todos batem palmas. Por quê? Indagou. Não respondi. Nem saberia responder, pois ainda estava surpreso com suas lágrimas instantâneas. Ah, sim, estava. Mas ela insistiu: eles estão nas ruas de Nova Iorque comemorando, bestiais.

Pensei, então que talvez ela não chorasse por bin Laden, mas pela mediocridade americana. Então, eu disse:

- Não se perturbe por eles. A classe média americana é idotizada, burra, infeliz, fast food, shoppincenter 24 horas, ignorante, doente, massa de manobra de democratas e republicanos mais idiotizados ainda.

Não a confortei, pressenti. Mas ela sorriu engolindo as lágrimas que lhe passavam pelo canto da boca. E me disse:

- Amigo, não choro pelos americanos. Choro pela indecência. Pela demência humana. Não existe uma civilização humana, mas uma barbárie civilizada politicamente. A execução sumária é creditada na conta corrente dos ignorantes e aplaudida pelos países em geral. Não existem mais valores que podemos seguir. Eles todos são negados enquanto os cultivamos. Justiça e verdade são quimeras. O que nos resta é o caminho do egoísmo feliz.

Concordei.

Nádia foi ao banheiro e quando voltou pediu mais uma cerveja e mudou de assunto. Me deu notícias dos poetas paulistas e elogiou o meu primeiro romance, O Escaravelho da Floresta. Beliscou castanha de caju, bebericou e sorriu, como se nada estivesse acontecido.

Conversamos amenidade e fomos para casa. Antes de dormir me deu um beijo de boa noite e se dirigu para o quarto, enquanto eu me acomodava na rede da sala. Antes de dormir, porém, reapareceu com sua colorida roupa de deitar e me disse:

- Mas nem tudo está perdido, Stélio. O povo tomou as ruas no Oriente Médio.

Nádia, depois disso, então, dormiu como um anjo de Alá. 

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