quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O pensamento político de Platão



Desnecessário é reafirmar a importância de Platão para a ciência política de todos os tempos, inclusive para o pensamento moderno. Sobre ele, aliás, o pensador Percy Shelley disse que foi o único a colocar que o estado deve ser governado não pelo mais rico, pelo mais ambicioso, forte ou astuto, e sim, pelo mais sábio.
Para ele, um dos problemas mais cruciais na questão política, é que todos os homens se acham extremamente capazes de exercer, com a devida competência, a prática dessa ciência, ou seja, todos se sentem aptos a fazer política, sem entender que se trata de uma arte especial e destinada a poucos.
E como arte especial ele a distingue em três tipos, a saber: a auxiliar, mais técnica, como o trabalho dos artesãos, etc.; a produtora, como a da tecelagem, etc.; e a do saber, para conduzir os homens, que seria a política propriamente dita, e que é superior a todas as outras. E aqui temos, então, um dos conceitos fundamentais da teoria política platônica.
Para Platão, o político deve possuir qualidades especiais, habilidades seguras e conhecimentos essenciais. O político deve encontrar o equilíbrio entre os fortes e poderosos e os mais fracos e indefesos. E essa tarefa, decididamente, não é para qualquer um.
Quem, entretanto, pode ser este dirigente político? Quem pode estar conscientemente habilitado para o exercício desta arte? Para responder a estas indagações nosso pensador achou por bem estabelecer uma tripartite escala de princípios, restringindo funções a cada grupo determinado.
De início são eliminados os escravos, fazendo, em seguida, algumas limitações à grande maioria dos homens considerados livres, os chamados cidadãos em geral, desqualificando-os para a arte de governar, já que estes estão mais aptos para o plantio, o comércio e a prestação de serviços.
É justamente entre os setores mais intelectualizados da cidade que Platão busca os mais capazes para o exercício do poder, da arte de governar e fazer política. Nesse caso, Platão incluía os magistrados, os sacerdotes e os sábios.
O pensamento político de Platão também observa e descreve as formas em que os regimes políticos se constituem, como por exemplo, o estabelecimento de um poder exercido por apenas um homem, que chama de monarquia quando o soberano se sujeita à legislação, e de tirania, quando o rei exerce o poder de forma autoritária e discriminatória.
Ainda nessa linha de raciocínio, Platão também especifica o regime político de um grupo de homens, que ele achou por bem subdividir em oligarquia e aristocracia. E, por último, ele chega a denominação de um governo de muitos, de uma maioria: a democracia.
Em todos estes regimes, entretanto, Platão identifica uma dualidade de vários graus como a riqueza e a pobreza, a violência e a liberdade, a obediência às leis estabelecidas pelo conjunto da sociedade e a mais completa ausência de regras que estabeleçam uma ordem social que pode levar a anarquia.
É justamente aqui que Platão entra num ponto fundamental de sua teoria política e indaga: qual, entre estes regimes, se constitui na melhor opção para a sociedade? Qual destes é o melhor para o convívio justo entre os homens?
Na verdade – e a rigor – Platão não tem como preocupação central, a forma em que o regime político pode assumir em determinada sociedade, ou seja, a expressão social do poder político em forma de governo. Não, não é este o eixo central de sua teoria. Ele não defende este ou aquele regime. Pior: ele quase que desdenha da importância disso.
Não é por outra coisa que, por meio de um de seus personagens, a monarquia, a tirania, a oligarquia, a aristocracia ou a democracia, para ele, se apresentam como de menor importância se comparadas ao que ele, aí sim, considera fundamental: a arte de conhecer, dominar e exercer a ciência política.
Enfim, o saber é mais importante que o regime político. Isso Platão deixa bem claro.
Fica claro para que é a ciência política é mais importante, ou melhor, o domínio desta é o que mais importa para o governante, independente do regime ou forma de governo. Por isso, a arte de saber governar os homens compete a poucos, compete àqueles que detêm o saber.
É a ciência política que torna um rei competente e justo e respeitado e amado por seus governados. É o domínio desta que credencia um homem ao exercício do poder, e que o torna capaz de se livrar de seus rivais e, também, de se cercar de outros homens igualmente habilitados a participar da vida política.
Por isso é que, independente do regime político, seja democracia, monarquia ou oligarquia, somente o homem sábio pode ser um rei justo, pois somente ele possui a arte de saber governar, de conduzir seu semelhante, de exercer o poder político e de tomar decisões mais acertadas.
Em “A República”, Platão nos dar detalhes preciosos de que este sábio, este homem apto a governar os demais homens, é o filósofo. Este é o homem sábio e o único que possui as qualidades necessárias para o exercício competente e respeitável do poder político. Aliás, ele compara o rei justo com o médico que curando ou não o seu paciente, jamais deixará de ser médico e chamado e tratado como tal. Compara também a um tecelão que sabe coser as vestimentas, unido várias partes, vários extremos, para cobrir a um corpo.
O homem sábio no poder justifica todas as suas ações, mesmo aquelas aparentemente arbitrárias, grosseiras, duras e extremas, como são os casos de mandar executar ou exilar, pois saberá justificar que tais atos visam o bem da maioria, e tem como finalidade maior, a justiça. O mesmo não se poderá dizer das ações de um tirano.
Platão entende ainda que um homem sábio pode até mesmo, em certos casos, governar sem leis, que fará, em nome do bem público, as melhores ações sociais, pois considera esse bem público superior a tudo, inclusive, à própria lei.
Aqui, é bom registrar: é deste ponto do pensamento de Platão que, mais tarde, no Renascimento, Maquiavel tirou as bases de seu argumento que dar sustentação teórica à sua idéia de poder absoluto do príncipe. Contudo, é de salutar importância, registrar também que a pretensão de que “os fins justificam os meios” nada tem a ver com o pensamento platônico.
Entretanto, não podemos também deixar de reconhecer que Platão não morria de amores pelo regime democrático que vigorava na Grécia antiga. E isso ele justificava com a impossibilidade de a maioria dos cidadãos, algum dia, conquistarem o conhecimento e o domínio da ciência política e de todas as suas peculiaridades.
Platão considerava as massas inadequadas para a gerência das cidades.
Nesse ponto detectamos que o poder, na teoria platônica, é algo destinado a uma elite pensante e privilegiado. Por isso ele não admite discutir temas importantes como a arte da navegação, das enfermidades, das leis, das estratégias de guerras, por exemplo, com uma multidão reunida em assembléia. Isso cabe a quem entende dessas faculdades.
Platão critica abertamente algumas práticas da democracia grega, e acusa de sofista todo aquele que se permite tratar de temas especiais com o homem comum. Para ele, se deixar levar por isso, leva a uma nada agradável experiência, pois somente pelo conhecimento profundo da arte política se deverá chegar a uma vida conjunta mais suportável e mais justa.
A inspiração na ciência política, portanto, é superior às próprias leis, embora Platão não prescinda delas de forma essencial. Saber conduzir os homens como um pastor conduz suas ovelhas, carece de habilidade; saber tecer a administração como um tecelão tece uma vestimenta e saber construir princípios comuns como um artesão constrói uma peça, são qualidades inerentes a um rei competente e justo.
Se alguém resiste a esses princípios que são superiores aos próprios regimes ou formas de governos, é porque, para Platão, parte da sociedade se recusa a aceitar a sabedoria como fundamental para se governar. Muitos preferem a força, a esperteza e outras habilidades, que a virtude da ciência.
Mas, enfim, como encontrar este homem sábio, capaz de se tornar um rei justo e amado pelos súditos, como deseja Platão? Com certeza – e ironicamente – este rei não seria, por exemplo, um Sócrates, que o que mais admitia era que nada sabia. Quem seria, então, este ungido? Por acaso teria uma estrela na testa? Onde encontrá-lo?
Homens verdadeiramente sábios não abundam como ervas daninha nas searas do mundo. Encontrá-los, portanto, é procurar agulha em palheiro. Nessa busca, então, é necessário separar o joio do trigo, as impurezas dos metais preciosos, para se chegar ao rei pensante, capaz de distribuir justiça com naturalidade.
Por isso Platão identifica no homem verdadeiramente sábio algumas qualidades capazes de torná-lo um rei competente e, a primeira delas, é justamente ter a capacidade de afastar de si tudo o que for estranho e não condizer com a virtude da ciência política.
Em seguida, o sábio deve discutir com maestria, a estratégia das artes militares e deve conhecer com profundidade a magistratura para praticar a justiça, além de dominar a retórica para saber transmitir a seus súditos os discursos mais eloqüentes e mais elucidativos.
Assim, a estratégia, a magistratura e a oratória, são inerentes à ciência política, embora subordinadas a esta, pois, a decisão de se fazer a guerra é, portanto, superior a estratégia; a arte jurídica subordina-se às leis e o discurso deve obedecer a regra de sua adequação ao momento, já que este não pode ser proferido ao acaso ou a bel prazer.
Por isso é que somente a política, em Platão, deve ser considerada como arte superior.
Ela é a ciência real. Reina sobre todas as demais e comanda toda a sociedade, e seu objetivo é eliminar da cidade o que é nocivo e preservar o que é melhor para todos. Somente a ciência política pode melhor o espírito das coisas.
Como nocivo podemos deduzir claramente: Platão trata dos maus elementos, ou seja, dos que não se enquadram dentro do estabelecido como ordem para o bem comum, ou que se confrontam com o conceito de justiça comumente seguido por todos.
Platão, nesse caso, é implacável e acha que esses elementos devem ser duramente punidos, submetidos a uma prova de fogo e entregues aos homens especializados do governo, sejam eles educadores ou militares, para que possam ser instruídos e enquadrados naquilo que é mais importante para a sociedade: a ordem pública.
Aliás, nesse quesito, o nosso pensador não é nada condescendente, já que diante da impossibilidade ou do puro fracasso de reeducação desses elementos, ele defende que estes sofram “por sentença de pena de morte”, pregando a eliminação deles da sociedade.
E aqui não estamos tratando de um ponto qualquer do pensamento político de Platão. Pelo contrário: trata-se de algo fundamental quanto a governabilidade do rei competente ou rei filósofo, pois é desse ponto que parte a sua significativa ordenação social.
É que quando os maus elementos são afastados, os falsos pretendentes ao trono são preteridos e o rei sábio, ou rei filósofo, é escolhido por depuração, inicia-se então, o maior desafio do governante que, para Platão, é harmonizar os opostos, tarefa nada fácil, mesmo para um homem bastante sapiente.
Uma sociedade - todos sabem - é composta pelos mais diversos tipos de pessoas, e que defendem os mais díspares pensamentos, interesses e estilos de vida; assim, fracos e fortes, nesse caso, devem viver, ou melhor, conviver, sob as mesmas leis, os mesmos princípios éticos, e compartilhar dos mesmos objetivos, sob o abrigo e tutela do mesmo governo.
Ao governante sábio, prudente e justo, então, cabe harmonizar os mais conflitantes interesses, estabelecendo com clareza para todos, os usos e costumes do que seja o bem e o mal, o certo e o errado, o público e o privado, enfim, o justo e o injusto.
Se todos os convivas da cidade possuir essa noção, e concordarem com os princípios legais estabelecidos, é possível que o governo obtenha sucesso, e que a harmonia entre os grupos sociais se completem entre si, mantendo, com sucesso, a governabilidade da cidade.
O governante sábio, por isso, deve ter a habilidade de unir os extremos, assegurando o convívio equilibrado, evitando sempre que influências negativas possam colocar em risco o interesse do todo em detrimento de partes.
Para Platão, enfim, a ciência política tem como tarefa unir, combatendo a separação, cultivar a prudência e a moderação contra a exacerbação, e manter o enérgico contra o claudicante, colocando cada grupo no exercício de sua função e harmonizando todo o corpo da sociedade.
A ciência política é, portanto, arte de domínio exclusivo do estadista filósofo.

5 comentários:

Valterlucio disse...

Parabéns pelo retorno. A inteligência da blogosfera agradece.

Cartunista Braga disse...

SILÊNCIO

Não ria assim, como a pouco ria.
Não ria assim, com sarcasmo e dolo,
Pois fechados os lábios, até os do tolo,
Transmitem admirável sabedoria.

Olhe e aprenda com a cabeça dos sábios.
Duas grandes orelhas atentas eles têm,
Dois olhos que vêem o que não vê ninguém
E, abaixo de um nariz, discretos dois lábios.

Quando, entre os sábios manter-se assim
Vendo, ouvindo, prestando atenção
Deles ganhará respeito e amarão você.

Até te argüirão com perguntas sem fim
E satisfeitos, eles certamente ficarão
Se calado, ignorante, você não responder.

Unknown disse...

Grande Stélio,

Vc faz falta! É salutar tê-lo de volta ao mundo virtual.
Com estou no Sri Lanka e dizem que o homem é produto do meio, tua foto me faz lembrar um cabra cingalês. Êta feijoense arretado!
Forte abraço tarauacaense,
Chagas Freitas
Embaixada do Brasil em Colombo

Márcio Chocorosqui disse...

Stélio, para os políticos de hoje, Platão é presente de grego.
Agora parece não haver arte na política.
Ao homem astuto interessa mais utilizar a política como ponte para o enriquecimento.
E o povo que se lasque!

Anônimo disse...

nos dias atuais,é como procurar uma agulha no palheiro,procurar um político que se enquadre no perfil platônico.