quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Antes dos homens madrugam as palavras


COMPADRE  Guilherme - A madrugada ainda me consome. Reli o noticiário político do jornal Folha de São Paulo que havia comprado no shopping, cansando-me. Entediado e arfante religuei o net book, para ver os -mails. De cara li a primeira mensagem:

"Sobreviva. Volte logo, pois agora você é parte da minha vida. Sua alma encantou a minha..

Era de uma pessoa especial e que me atendera com aquela humanidade rara nos dias em que vige, com severidade, a alma impessoal do capitalismo selvagem. Essa pessoa, Guilherme, não deixou de revelar algumas daquelas qualidades que tanto a filosofia nos ensina a admirar.

Enquanto impossibilitado da apresentação necessári e de preferência em uma confraternização em seu chalé - degustando a salada fresca da comadre e sob a bagunça do Nísio – vamos nos referir a esta pessoas apenas como SS.

Que fique claro, entretanto, que não se trata do Sílvio Santos.

- "Acho que voltarei. Estarei em São Paulo por tempo indefinido, a partir deste sábado, e, na segunda-feira, pela manhã farei o cateterismo. Em seguida eles decidirão o tipo de intervenção: angioplastia ou safena. O que decidirão julgando ser o melhor, farei. Terminei o romance. Gostaria muito de escrever outra obra. uma boa história que alegrasse e divertisse ou levasse às pessoas a refletirem. Contudo, confesso, seja lá o que acontecer, sinto-me um homem feliz". - Respondi

Tenho pensado muito compadre em relação a esse infarto. Acho que ele tem um lado positivo: trata-se de uma doença que deixa escancarada que você é o único culpado pelo seu aparreiamento. Por isso acho também que seria por demais justo que o mal somente deveria acometer, pelo menos com mais frequência, às pessoas que vivem a culpar o mundo ou a outrem, por suas desditas.

Em estado de ansiedade e dormidelas intermitentes passei o resto da madrugada, ouvindo a chuva fraca que caía lá fora. O computador, sempre às pernas. Ora mexia no texto do livro, ora abria a caixa de mensagens.  SS escrevera:

- Oi amore. Fico feliz por você ter terminado seu livro.....Isso é, mais um! Em sua cidade deixada para trás, as coisas acontecem. Umas boas, outras ruins , mas vão acontecendo, independente do ciclo da vida.


Quer saber?


Dando seu silencio como assentimento, eis aqui as novas do front: A cidade fervilha! Vejo nas expressões, percebo nos gestos um quê qualquer, diferente. Uma expectativa, recoberta por olhares lânguidos... Como a dizer: - Acredito, contudo....Duvido. Vejo um vai e vem frenético, entretanto, desprovido de garra, entende? Aí me detenho a olhar o que as pupilas escondem e camuflam...


Sabe moço descrente, esse torvelinho de sensações consome muito!


Vou precisar terminar, pois devo lembrar que você, mon ami, se encontra entre o limiar de uma vida para outra, e que assim sendo precisa de introspecção. A sorte sua é que apenas esse músculo - com possibilidades variadas de reparo - é sua limitação.


Imagine se fosse com um que não tivesse como fazer manutenção? Por exemplo... O pau da venta. Desculpe o humor destituído de falso zelo, mas cuido de quem prezo assim, francamente.


Cuide-se, não por você somente, mas pelos que aind]a não te conhecem .Cuide-se, pois, ainda não aprendi a te conhecer. E isso, definitivamente você não pode me tirar!!!

Um bom texto sempre carece de resposta.


Seria um crime não fazê-lo. Hoje, porém, a tristeza me assolou, não pelas safenas necessárias, após o cateterismo desta manhã, mas, por ouvir a voz de minha mãe, ao telefone, culpando-me, condenando-me por entristecê-los neste momento. A intervenção cirúrgica, aqui no Incor, onde estou internado, compadre Guilherme, não me amedronta, mas dá um fiozinho de caganeira do caralho! Vim para a consulta e enfartei diante da médica.


O cateterismo feito logo após o pronto-atendimento no setor de Emergência revelou a desgraceira: tá tudo entupido (acho que até o pau da venta). Não tenho medo desses desafios, nem da morte. Na verdade, até gostaria de ir embora antes dos que amo.


Contudo, é chato ficar em hospital. Mas, é assim mesmo: sempre acreditei que é pau pra comer sabão, e pau pra saber que sabão não se come. Manterei informações, enquanto me permitirem usar o net book.


Aliás, compadre Guilherme, a maior parte desta explicação remeti para SS que assim respondera: Stélio, resolvi aproveitar que ainda te permitem digitar e, cá estou eu. Se sua UTI aí for razoável, você estará em um leito reclinável, com janelas oclusas e sem ver a cor do dia, por isso serei seus olhos no mundo externo .


Descrevo assim, a você rufião, as mazelas que presencio e como fundo moral de toda boa fábula, ao término dessa, você estará dando graças por ter, inclusive o pau da venta para estar obstruído. Hoje, assim que o dia se fez claro e quando ainda restava um pouco do frescor da noite pude, inadvertidamente, perceber a quanta progride a nossa humanidade.


O que te faria parar e pensar? Um sorriso desprovido de dentes, todavia repleto de meiguice? Um esbarrão seguido do mais gentil pedido de desculpas? Uma flor? (essa foi piegas ao extremo)


Pois, o que me fez refletir sobre as passadas que damos em prol da nossa evolução não se encaixa em nada tão elementar, caro Watson purusniano. Detive-me, posto que não no ruim, antes sim, na promessa de dias mais promissores.


Acredito que você vai sair desse macabro nicho branco e fresco, e dividirá com os que agora contemplo o rubor de face, o suor a descer pelo colarinho e agonia de não ter um rio de águas claras e frias, para nos apaziguar os ânimos (portanto, moço de família, cure-se!) .


Acho que não te contaram, mas a equipe só faz a parte dela, sendo que o resto depende de sua majestade, aí deitada nesse leito (que permite muito mais que ficar deitado), por exemplo, se aí perto tiver uma residente que tenha um pouco de massa cinzenta e frisson sexual, e se deixe levar pela sua lábia.entendeu?


Mas, se assim não o for, que tal se dedicar ao conhecimento do sexo tântrico? Pode ser uma boa distração, pois autocomiseração definitivamente não se encaixa no seu epitáfio.


Presumo que você há de sentir dor, mas quem disse que ficar são é prazeroso? Submeta-se... Concorde.... Questione... Cobre... Mas, acima de tudo:DECIDA.


Não se permita ser, nesse momento crucial, agente passivo e nem se torne uma mula empacada. Como já diziam os antigos :NEM TANTO AO MAR, NEM TANTO À TERRA.

Sabe, compadre Guilherme, apesar da consciência de minha obtusidade nata, surpreendentemente, fiquei com a impressão de entender a mensagem. SS, em Rio Branco, demonstrava um pragmatismo invejável, que parecia perceber o todo, e agindo com invejável eficiência na parte desse mesmo todo.

Não deixei de perceber que era arguta.

O humor, no entanto, para usa como escudo dessa inteligência que faz questão de esconder. Por isso tinha que responder, mesmo com as minhas pieguices. Eis o que escrevi depois de acionar pelo ícone o lugar onde está escrito "responder":

- Acho que deverias escrever mais amiúde. SS,estou ainda na unidade coronáriana do Incor, em preparação para a cirurgia, já que deverão abrir o meu peito na segunda-feira, dia 4. Me pergunto: como podem abrir o que já está dilacerado... Matuto, sozinho, no leito M08, olhando pela janela à prova de som o intenso e silencioso tráfego da paulicéia desvairada. Relembro dos anos que aqui vivi. As residentes aqui, justamente por ser um hospital da USP abundam com suas bundas, porém, são mais acalentadas pelas enfermeiras que a chamam de "doutoras", como elas tivessem PhD em Paris, Londres, Sorbonne ou Harvard. É bonita, a maioria, Falta-lhes, no entanto, a fatal sensualidade da caboclice amazônica que rasga a alma de um homem com tanto fervor, que o prosta, submisso. Nada contra as branquelas, mas tudo a favor da brejeirice da mata.


Faz muito tempo que desisti do sexo sânscrito, tântrico, dândrico, critico, sádico, e todos os exercícios e orgasmos que consolam o corpo. Ainda masturbo-me, entretanto. Faz-me sentir jovem. A cada punheta uma espinha nova no rosto. Quem dera... Ainda estou com o computador, apesar da várias tentativas de me surrupiarem. Tem cada enfermeira que se acha... Primeiro explico que tenho autorização médica para esse privilégio, coisa pré-acordada, pois sem ele, meu tratamento fica mais dificultoso. Quando querem insistir apresento um documento abrindo mão de tudo e se retirando do recinto, tudo assinado por mim e por meu advogado, devidamente registrado em cartório.Apenas uma maneira clara de mandar alguém tomar no cu, embora que, ao final, que acabe tomando no cu seja eu mesmo. Bem tenho uns três dias por aqui, sendo visitado duas vezes ao dia por minha irmã. Muito zelosa. Minha filhar chega de Goiânia na sexta, assim ficarei melhor, mas não deixe de brindar-me com sua alegria, seu carinho especial e seu texto espirituoso. Axé.

Agora vou tentar dormir, enquanto os carros se enfileiram pela Oscar Freire... Lá, longe.

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