quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A VIDA É TRÁGICA, VIVA!


Moura Neto

Inspirado talvez em Nietzsche - “O gosto de minha morte na boca deu-me perspectiva e coragem. O importante é a coragem de ser eu mesmo” - o poeta e jornalista Antônio Stélio avisa os amigos, eu entre eles, que está lançando um novo livro – “A vida é trágica, viva!”, baseado na experiência que amargou no leito de um hospital, em São Paulo, onde foi internado em estado de urgência urgentíssima com apenas 30% de chance de sobreviver, segundo o diagnóstico médico.

O beijo da morte dá calafrio, informa ele, logo de saída, aos que porventura se interessem pelo relato do drama que vivenciou, em setembro do ano passado, e que já está em processo de impressão. Pelo que me disse, via imeio, a sensação é a de estar em um barco à deriva e expressar nos olhos a esperança de que logo navegará em águas calmas. Desde que alguém apareça, sei lá de onde, e dome o barco, como quem doma burro brabo, para dar-lhe tento e rumo.

O certo é que durante o período em que ficou hospitalizado, à espera da cirurgia para receber três pontes de safenas e uma mamária - e depois, na convalescença – aproveitou para filosofar sobre a situação, elaborando uma espécie de “diário de uma quase morte”, compartilhado, inclusive, com amigos e familiares através de mensagens enviadas e recebidas pela rede social.

Foi inevitável, pelo que diz, reflexões do tipo: “Talvez, se eu soubesse quando o frio da morte me fizesse sua visita definitiva, eu me desfizesse com rapidez desse manto inútil que me faz pensar que sou a melhor pessoa do mundo”.

A intervenção cirúrgica no Incor, que durou sete horas e meio, não o amedrontou. Mas deu para sentir aquele friozinho na barriga. Na hora da consulta, aliás, sofreu mais um enfarto, só que desta vez, menos mal, diante da médica.

Durante o tempo em que ficou na UTI, oito dias, garante ter testemunhado momentos que ilustram a tragicidade da condição humana. Durante a noite ficava a perceber os pacientes, cada um com suas dores, desesperos e dilemas. E nessa condição, abatido e sem forças, acha que conseguiu aprender o significado daquele sofrimento, dele e dos companheiros de leito.

“Não driblei a morte. Eu a encarei e agora estou aqui para contar a história”, sentencia Stélio. Sendo assim, o livro, pelo que deduzo, é uma ode à vida. De alguém que descobriu o que realmente quis dizer Blaise Pascal - É mais fácil suportar a morte sem pensar nela do que suportar o pensamento da morte sem morrer.

Pergunto ao amigo sobre a maior lição que ficou da sua experiência. “Os anjos morrem primeiro”, responde.


sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ser ou Não-Ser, eis a tesão!


O filósofo Guilherme Cunha, professor concursado e recém empossado pela Universidade Federal do Acre (UFAC) está lançando em março seu novo livro com o título acima. Trata-se de um olhar crítico do ponto de vista do pensamento trágico sobre a existência humana. Abaixo publico a apresentação que fiz da obra.

Zaratustra solta a voz na floresta amazônica

Antonio Stélio


Existe um ditado corrente entre os gurus da velha Índia que diz: se você encontrar Buda no caminho, mate-o. Osho - um desses gurus mais conhecido - gostava de citar a frase a seus seguidores.

Ele queria alertar contra a nociva dependência de um mestre. Buda está morto há mais de dois mil e quinhentos anos, portanto, ninguém pode matá-lo.

Do mesmo modo que Jesus Cristo também não pode ser crucificado uma segunda vez. Os seguidores de ambos não precisam assassiná-los, apenas superá-los, libertando-se da sombra influente.

É assim que um discípulo supera o mestre.

Livrando-se dele.

Inteligente, Nietzsche, a rigor, não teve mestre. Nem podemos afirmar que fora discípulo de quem quer que seja: do pai, da mãe, do músico Wagner ou do irascível Arthur Schopenhauer ou até mesmo de algum outro barbudo de seu tempo.

Ou da antiguidade.

Mas, ele criou o profeta Zaratustra para cuidar de suas ideias. Para anunciar suas boas novas. Profetas e discípulos parecem andar pela mesma seara.

Que este o superasse, então, se quisesse.

Superar não superou, mas proliferou zaratustras pelo mundo, que ainda hoje carregam seus cadáveres em tresloucadas trajetórias, comumente incompreendidas, indecifradas.

No prólogo de Ecce Homo Nietzsche confirma nossa interpretação:

§ 3: Quem sabe respirar o ar de meus escritos sabe que é um ar da altitude, um ar forte. É preciso ser feito para ele, senão o perigo de se resfriar não é pequeno. O gelo está perto, a solidão é descomunal – mas com que tranquilidade todas as coisas estão à luz! [...]

O pensamento trágico traz em seu bojo esse ar rarefeito, um silêncio que grita, mas com uma claridade tão enormemente cintilante, que somente não faz enxergar aos cegos pelas crenças; aos idiotizados pelo saber acadêmico ou aos mortos vivos incapazes de amar a vida.

A constatação assusta sim, afronta, mete medo.

Tudo isso porque não engana.

Ensina na bordoada mesmo. Para ensinar o trágico somente existe uma maneira: tragicamente. Assim a grande lição do Zaratustra deste livro é: a vida é trágica! Viva!

E esta é a compreensão fundamental para ser um Zaratustra.

E Guilherme Zaratustra Cunha encarna essa concepção, na qual, vai além: originaliza-se. E se torna um verdadeiro profeta que com seu cajado emissor de palavras grita nos ouvidos dos moucos; dos velhos; dos covardes e dos ultrapassados; encontra ressonância na avidez da juventude destemida e registra no cartório da filosofia seu livre pensar.

E assina em baixo.

Ou em cima. Tanto faz.

Por isso não tenho medo de afirmar: este é de longe o mais trágico dos textos que já me caiu às mãos entre todos os novos zaratustras.

E Guilherme é o autor da proeza.

Para ler este texto é preciso ter estômago. E cheio de ar. Leia-o de um só fôlego e sentirás uma grande explosão tinindo aos teus ouvidos, tuas têmporas, tão ensurdecedora é a mensagem.

Você vai se assustar, claro.

Mas, desnecessariamente.

A verdade é que a emoção que sentirás apenas vai parecer susto, medo, pavor. Apenas parecerá. Lá no fundo de tua alma o que sentirás, efetivamente, será o espanto.

E quando compreender isso, quando estiveres diante do espanto tu saberás, então, que estás lendo filosofia. Melhor: filosofia trágica, aquela que te explode com dinamite em mil pedaços e esmaga os restos mortais – se alguma coisa sobrar - à martelada.

É nesse momento que te sentirás cruelmente vivo e humano. Demasiadamente humano. E feliz. Extraordinariamente feliz.

Porque somente o trágico sabe-se feliz.

Quer um aperitivo? Prove, pois, bem devagarinho, pelas beiradas, como se fosse aquela papinha de aveia quentinha, fumegando, à mercê de suas narinas:

Existiria felicidade sem prazer?

Epicuro uniu o prazer do corpo com o prazer da alma. A felicidade é possível. Cada homem tem que roubar o seu fogo dos deuses?

O fogo está em vós, o fogo sois vós!

Quereis acender-se em eternas chamas? Não devereis perder demasiadamente o contato com as mulheres. Elas têm sempre uma brasa acesa por baixo das suas cinzas, é só assoprar.

As mãos podem te ajudar a abanar se não tens bons pulmões.

Mais não te posso oferecer. Sob pena de quebrar o encanto.

E o espanto.

Assim, este livro é uma dádiva para os amantes da filosofia; é um presente para os descontentes felizes; é um bálsamo para os espíritos que amam a vida incondicionalmente e um elixir para a juventude não perder o viço.

Não fugir da raia.

Aqui há um Zaratustra que toma diversas facetas: profeta como sempre, mais que se veste também com diferentes roupagens. O Zaratustra deste livro é professor ou terrorista? Padre ou rabino? Poeta ou Don Juan das letras? Mentecapto ou ilustrador da razão? Pode ser um pouco de cada um ou nenhum deles, dependendo do olho que lê.

E tudo vê.

Mas, sobretudo, é genuinamente um filósofo. Guilherme é filósofo na alma, no sangue. Ele tem DNA de filósofo.

Lendo-o irá o leitor ter sonhos com Wilhelm Reich falando sobre a função do orgasmo; ouvirá Roberto Freire gritando que sem tesão não há solução; se entreterá com Nietzsche vivendo o amor fati; sentirá pulsando a alma de Clément Rosset na alegria maior; perceberá um velho Epicuro harmonizando corpo e mente e sentir-se-á livre e sem medo, e poderá até defecar, animalescamente, onde lhe der na telha. Ele lhe dirá: sim, ame e dê vexame!

Guilherme Cunha não tem amarras.

Por isso, fundamentalmente, saiba que depois de ler este livro você não será mais o mesmo. Estará para sempre livre dos grilhões metafísicos que aprisionam os homens cheios de dúvidas. Ganhará um espírito forte, aristocrático e viverás com luz própria. A luz que faz os grandes homens: aquele que é dono de seu próprio nariz.

Terá matado teu Buda. Terá se livrado do mestre.

Mergulhe e submerja de alma lavada. Depurada.

Sem medo de ser feliz.