sábado, 30 de outubro de 2010

O Escaravelho da Floresta

Depois de quase seis meses escrevendo diariamente o meu romance, que intitulei provisoriamente de "O Escaravelho da Floresta", me senti aliviado. E triste ao mesmo tempo, pois estava vivendo intensamente a história,
Mas, tinha que terminá-lo e enviá-lo para revisão.

Escrevei os últimos capítulos aqui em São Paulo, no pré-operatório. No Incor, e também nos pós-operatório. Escrever era o bálsamo que me aliviava todos os dias,

Eu coloquei o ponto final a exatamente rês dias atrás, quando encerrei o vigésimo capítulo, uma espécie de epílogo. Fiquei alegre ao terminá-lo. E triste também, pois agora sinto falta da trama e dos personagens...

Então remeti o texto para o meu revisor oficial e de profunda confiança, o Márcio Chocoroqui, um intelectual que não se furta à humildade e ao capricho pelo que faz, além de ser um dos papos mais interessantes de todo o Acre.

Márcio me respondeu, assim:

"Dei uma olhada no livro, por alto.


Após o segundo turno e o feriadão começo a revisão. Agora, os convites para tomar cerveja proliferam. E não posso recusar. Pelo que vi, nas primeiras páginas, não dará muito trabalho.


Não se preocupe que em breve estará pronto.


Não sei se você terá pressa nisso. Considerando tudo por que você passou, talvez sim. Talvez cada instante da vida, agora, lhe seja precioso. Mas não tenha pressa não. Creio que seja o momento de ter tranquilidade, ver tudo com parcimônia.


Enquanto digito isto, chove. E o barulho da chuva revela que tudo na natureza tem o seu tempo, pois a chuva rega as plantas, que florescerão e darão frutos na hora certa.


Também as águas fluirão para os rios e igarapés. Tudo num ritmo lento e espontâneo. E é assim que deve ser. Stélio: sem a pressa destes tempos modernos e com a naturalidade que o rio Acre, por exemplo, toca suas águas.


Um forte abraço e boa recuperação."

Obrigado Márcio, que o acaso o premie com os bons fluídos.







quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Visitas

Em recuperação e prestes a voltar para o Acre sofro ainda com os incômodos das sequelas da agressiva intervenção cirurgica. Resumo-a assim: ela fragiliza até a alma do sujeito.


Dói o peito, dói a perna – de onde foram tiradas as safenas.

Tive dois retornos no Incor, em dois dias seguidos. O primeiro foi ao médico, que alterou a receita aumentando o número de remédios e redobrando os conselhos para mais repouso.

Repouso absoluto.

Também fiz retorno para o curativo: apemas para constatar uma necrose na coxa, suspender o remédio que vinha passando e substituí-lo pela papaína, uma loção manipulada e antiga. Ela deve destruir a crosta preta que se forma até curá-la.

Alegam que o processo levará de dois a três meses.

A boa notícia fica por contas das visitas que recebei.

Primeiro foi a do parceiro das letras Dandão, que cumpre seus últimos anos de doutorado em aqui em São Paulo. Está mais gordo. O humor continua o mesmo. A inteligência continua sofisti8cado. E o jeitão acreano de ser ainda se esbanja com carinho. Papeamos por mais de uma hora.

Foi agradabilíssimo. De lambuja ganhei um exemplar autografado de seu último livro: Trilhas Urbanas, de edição caprichada. É minha leitura atual, enquanto convalescente.

Afonso Sávio, uma espécie de anjo do asfalto, um poeta, ex-seminarista, que conheci na emergência, também visitou-me rapidamente. Disse boas palavras e deixou um pouco de sua aura positiva no ambiente.

De resto estou ansioso para voltar.

PS: Em definitivo concluí o meu romance, O ESCARAVELHO DE FLORESTA, que agora vou remeter para revisão. Publico-o ano que vem.

A todos um abraço.

sábado, 23 de outubro de 2010

O acaso não é por acaso

Meu bom e generoso compadre, Stélio, realmente a porra do acaso foi extremamente bondoso conosco, estamos vivos, e a vida enquanto vida, ela simplesmente é.

Chutar a bola da vida é tudo que deve ser;

É arma de um artista que quer ver acontecer no reino bem-amado os frutos dos que amam a terra.

As perspectivas do caminho estão abertas;

Os frutos não podem se estragar;

O desejo e o amor pela terra devem reinar.

A dádiva do acaso, que nos permite bons encontros, é generosa e nos pede intensidade.

O homem que não pára para refletir corre o risco de perder os passos.

O homem que não tem tempo para si não tem audácia para vencer com serenidade.

O fim do pensamento criativo é o começo da escravidão da liberdade.

Nobre compadre, Stélio, sejamos vulcânicos em nossas ideias para rompermos com as consciências medianas.

Congratulações filosóficas!

Viva a filosofia trágica que não tem medo de arriscar sempre novos horizontes, pelo fato de acreditar no homem e no instante que a vida proporciona!

Guilherme da Silva Cunha

Filósofo trágico

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O coração do poeta trágico!



Stélia Castro


Pai, eu não consigo parar de pensar em você.


Queria estar aí contigo e ter o poder da cura. Ia tirar toda dor e desentupir suas veias e o sangue correria livre...


É difícil, para todos que amam você, passar por uma situação como esta, pra você principalmente na condição de enfartado, correndo riscos de vida. Mas pra nós que te amamos e estamos longe é uma agonia constante. Eu fui te ver, mas parece que não fiz nada de útil. Queria te tirar da maca, te levantar e fazer-te curado. Não pude, não posso. E, ao voltar, continuo aqui numa agonia constante... Impacientemente... Espero a tarde cair para falar com a tia Rosângela e ter notícias tuas.


Mas você está em boas mãos.


Graças a Deus a cirurgia já passou, nunca senti tanto nervoso e nem tanta dor de barriga quanto naquele dia (o dia da cirurgia). Eu e tia Rosângela - na recepção do Incor – esperávamos, ansiosas, notícias suas da sala de cirurgia. Eu andava de um lado para o outro encarando a recepcionista, para que ela não esquecesse que estávamos ali aguardando noticias suas. E a tia Rosângela, aparentemente calma, conversava com as pessoas que sentavam ao seu lado e contava as suas histórias de tristeza e esperança.


Minha tia levou iogurtes e frutas para passarmos o dia no hospital.


E não pude deixar de notar que, sem aparentar nervosismo, tia Rosângela tomava um iogurte atrás do outro, e comia uvas, comia uvas e tomava iogurte... Tomou quatro iogurtes! Cada um em uma golada só! Mas também nem almoçou, a bichinha...


De repente gritam da recepção:


- Antonio Stélio!


Eu, como já estava grudada no balcão da recepção, olhei para as cadeiras do lado para chamar minha tia. E como um mestre dos magos, tia Rosângela já aparece atrás de mim!


Disse a recepcionista:


- O cirurgião quer falar com vocês, terceiro andar.


E fomos. Sem dizer uma palavra. Ambas com um frio terrível na barriga e segurando a caganeira repentina. No elevador minha tia diz: - Vamos subir! Subir! - Caso alguém, no elevador lotado, quisesse descer ao subsolo. Ah, ela não deixaria!


Chegamos ao terceiro andar e continuamos na agonia da espera pelo cirurgião. Fitamos a sala de cirurgia não sei por quanto tempo. Então, sai um senhor de bigode branco que, em poucos minutos disse:


- Foi uma cirurgia difícil. Uma veia estava 100% entupida. A cirurgia garante 50% a 60%. Agora ele está em observação para ver como responde. De 40% a 50% depende da reação do corpo dele. Só dele.


Agradecemos e saímos.


Pai, você ficou mais de uma hora em observação, então te levaram para a UTI Cirúrgica, e só podemos te ver as 18:30. Você estava branco, pálido. Respirando pela máquina, tinha um tubo em sua boca. Tinha sondas. Enfim, quase todos os processos importantes de seus organismos sendo feito por máquinas e equipamentos. Fiquei impressionada. Impressionada com a dimensão da cirurgia, em como é agressiva. Ficamos conversando com você, mesmo sedado. Rosângela dizia:


- Força poeta do amor trágico!


E eu:


- Força pai! Agora é com você, te amo e estou aqui do seu lado.


E gostaria de vê-lo se recuperar, mas os deveres... Porém, minha tia não esquece de ligar depois da visita e me conta cada detalhe das novidades. É tão bom quando ela liga. De alguma maneira me sinto mais perto de você.


Eu te amo!


E estou com saudade, sempre! É minha (nossa) sina.


Estou doida para ver você recuperado, forte, como sempre te vi. Estou ansiosa para ver você sorrindo deliberadamente e xingando ditadores!


Então, fico a lembrar das noites que podemos ainda jantar no restaurante Água na Boca, você tomando uma taça de vinho. E eu te acompanho. O cardápio: uma salada variada para você e um filé a parmegiana para mim. E o Lian, com uma coca-cola fazendo piadinhas com você... Risos!!! Pode convidar quem mais quiser, afinal, a prole é grande...


Amo-te, poeta do amor trágico (como diz tia Rosângela).


PS: Tia Rosângela tem o coração maior que São Paulo. Ah! Bem maior! Te amo, tia!




segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Um susto de quase nadar, nadar, e morrer na praia

Só me faltava essa: depois e enfrentar mais de um mês essa luta quase me vi escafedendo-se de vez, por causa de uma transfusão de sangue, na reta final da recuperação. Com a hemoglobina baixa colocaram-me para receber um concentrado de hemáceas para solucionar o problema.

Depois de uma enorme dificuldade em que o enfermeiro teve de achar uma veia boa, para colocar o acesso, visto que os dois braços estão mais do que machucados por picadas diárias de agulhas, os gotas começaram a cair.

Com o passar de apenas 20 minutos tive uma tremedeira tão grandes, incontrolável e exasperante, que pensei estar tendo um ataque epiléptico. Não era. A reação que tive chama-se choque pirogênico, que pode matar. Ou seja, poderia ter morrido, depois de todo esse esforço.

O que tive, tecnicamente, está assim registrado nos manuais médicos:

Choque Pirogênico: caracteriza-se por reação devido a presença de pirogenos e contaminação de soluções de materiais utilizados na administração por via endovenosa. Tratamento do Choque: O choque é uma complicação gravíssima e quando não tratada a tempo pode levar o paciente á morte. De um modo geral, o tratamento baseia-se em corrigir o volume, reestabelecer o tônus vascular, manter a oxigenação do paciente, evitar o gasto de energia, prevenir complicações e combater a causa básica do choque.

Mas, estou tendo alta hoje. Saio do Incor, mas com o compromisso de ficar em São Paulo, por pelo menos um mês, para dois breves retornos: um para verificar os curativos das feridas à perna, de onde foram tiradas pontes de safenas; e, outro, simplesmente ambulatorial, um retorno médico para verificar a situação do desdobramento da cirurgia propriamente dita.

Para encerrar esta postagem, publico o poema de um estranho poeta. Afonso Sávio, que me visitou, quando estava na Emergência:

É a vida muito engraçada,

Quando ao lado reparamos.

A realidade parece traçada,

Quando com ela deparamos.



Sentindo, subitamente, mal

Ao PS, rapidamente, procurei.

Enquanto resultado total

De exames aguardei,



Curioso, o vi lendo livro estranho.

Aproximei-me e logo entabulei

Conversa animada.Felizes amigos,

Então, ficamos. E e.mails trocamos.



Sorrir ainda é ótimo remédio

Para quem se encontra no hospital.

Não deixando se abater

Sempre conseguirá vencer.


sábado, 16 de outubro de 2010

Compadre, tu estás fazendo a tua parte, cabe agora, a porra de o acaso ser generoso conosco!


SOLILÓQUIOS TRÁGICOS

Amo enquanto amo sem encontrar uma fronteira ou um ponto eqüidistante para limitar o Amor; por isso vivo a vida como uma simultaneidade que nunca deixou de ser, ardentemente, generosa comigo.

Minha posição diante do Belo é de extrema admiração, pois o que me encanta é a força do poder do signo traçado e representado no meu imaginário. Aprecio muitíssimo a Alma forte livre dos preconceitos.

Encaro sempre o olhar dos outros e tento identificar o meu nos deles, pois ainda sou um narcisista até o ponto de adotar bons livros para espelhar-me. Mas quem não usa artifício para falar do ser?

Andar na contramão também é uma forma de Vida. Deixar reinar os instintos é encarar a vida com a vontade de um Leão e adquirir vitalidade para suportar os espíritos decadentes!

Do desejo de aceitação do Outro há uma seta sinalando que o encontro pode ocorrer em muitas posições.

O ato não quer demasia, mas o sereno bailar que a Vida conspira para o viajante que ama...

Dos respingos dos olhares cria-se um páthos de que o presente se faz dádiva e pede intensidade!

O contentamento do bom encontro é uma forma de entender, que o momento feliz é intenso, mas passageiro...

Aproveitar bem o momento feliz é uma resposta de quem ama, nudamente, e valoriza o encontro como momento mais importante de sua vida!

Recordar é recriar um novo espaço, baseado nos ditames do Acaso, pois somente através dele quando, então, percebemos que em cada encontro tudo é diferente e que nos tornamos novos admiradores: um do outro.

O gosto intenso pela vida pode nos proporcionar a alegria de ver o jardim florido dos corações enamorados...sem olvidar que cada coração pode carregar o doce sentido da existência por meio do artifício do amor.

A arte do intenso viver é a presença do encontro de corpos que se amam, sem nenhum julgamento do antes ou de um possível depois; mas que se maravilham com o pulsar do instante.

Na hermenêutica do olhar não é suficiente só decodificar alguns signos, mas significar alguma coisa para quem o observa; e aventurar a cada dia um novo encontro.

No jogo aberto do amor não há vencedor e muito menos perdedor, pois neste jogo não existe oposição dualista do Bem e do Mal, mas tão só a diferença que atrai.

Viva a Vida! Viva a nossa amizade! Do eterno amante da filosofia e mensageiro do poeta Zaratustra no Acre. Amém!

Guilherme da Silva Cunha

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Meus amigos, meus inimigos

São Paulo, 13 de outubro de 2010 – 22:00 hs
Passavam das onze horas da manhã quando fui tirado do leito 4007 na UTI número um do Centro de Recuperação do Incor. A cirurgia foi um sucesso: três pontes de safenas e uma mamária salvaram-me a vida.

Estou feliz com isso.

Depois da cirurgia acordei entubado e cheio de drenos pelo corpo, a boca com aparelho e as dores surgindo com o fim da anestesia. Fiquei transtornado.

Mas, nada podia fazer: estava amarrado.

Não me lembrava de muita coisa. Teria que passar de dois a três dias na UTI, mas acabei ficando lá oito dias. Houveram pequenas complicações sanadas com rigor pela equipe. Uma tomografia selou minha liberação e pôs fim ao calvário de ser levado em maca entre corredores olhando o claro e escuro das luzes do teto.

Somente agora tive acesso ao computador. SS escrevera três mensagens. A primeira: por presunção acredito que ainda estejas vivo e incomunicável, certo? Assim sendo: arribe dessa cama de pré-defunto e retorne ao mundo insano que te apraz! Ou, se presumi erroneamente mande uma mensagem psicografada (de preferência por um espírito iluminado que saiba a ordem da próxima mega-sena), para que eu possa carpidar adequadamente....

O segundo texto dela está mais para uma estrofe poética pós-modernista, ou um de seus lampejos recheados de alguma coisa que, talvez, nem ela mesma saiba definir. Eis o curto texto: - Criança feliz... Abriu o coração e escapou! Por um triz... Fique jubiloso, energúmeno. Uma nova chance... Para você. Conhecer a doce, meiga, carismática e modesta amazonense que o sol acreano já cobriu (Euzinha!) Não desperdice! – Bem, eu já morei em Manaus um tempo, fiz o ginásio por lá. E posso asseverar que não é regra das amazonenses terem qualquer atração por energúmenos. SS deve ter adquirido esse contágio em suas andanças e aventuras.

O terceiro texto dela retomou o espírito inicial. Aquele de fazer biquinho. Ei-lo: - Anseio, mon ami, que estejas bem. Como se deseja no teatro, antes de uma estréia? - MERDE. Que você esteja com a garganta em fogo. Que seu pinto esteja entubado. Que seu peito esteja com uma mega cicatriz. Mas que, acima de tudo, estejas vivo. O mais, tudo se resolve, em consonância com as determinações divinas. Acredito que DEUS há de ser benevolente com você, filósofo. Na verdade já o demonstrou (permitindo que você me conhecesse... Ahahah). Desculpe mon ami, mas acredito que nunca ficarei circunspecta na vida.

Descanse.....

É tudo que desejo agora. Descansar. Por isso escrevo de maneira pausada. Depois de construir uma frase, paro e respiro. Cansa-me tudo. Tudo o que mais gosto é de escrever: matam-me se me tirarem isso em vida. Mas, no momento, está sendo doloroso fazê-lo.

Quando saí da UTI e deitei-me neste novo leito, a TV estava ligada. Acompanhei através de um destes canais vinte e quatro horas todo o processo de resgate dos mineiros chilenos, um a um, até do salvamento de todos eles.

A única sensação diferente que sinto hoje, após retomar um pouco da vida normal, é que a possibilidade da morte que se me avizinhava, não mais me ameaça.

Nem mais os trinta e três mineiros do norte da Atacama. Felizmente. Cansei, vou postar esse texto e tentar dormir, pois uma enfermeira acaba de me enfiar goela a baixo dois comprimidos, um deles, sedativo. Boa noite.





terça-feira, 5 de outubro de 2010

Enfim, chegou a hora de abrir o peito. Literalmente!

Viva! Meu bom compadre Guilherme, chegou a hora da cirurgia. Está tudo mais do nque confirmado. Entrarei na sala de cirurgia às nove horas da manhã, desta quarta-feira, dia seis outubro. A noite caíu sobre os arranhas céus de São Paulo e me fizeram uma lavagem instestinal: nunca caguei tanto em toda a minha vida!

O jejum teve início a partir das dezoito horas e, amanhã, logo cedo, passarei ainda por dois procediementos, antes de entrar na sala da esperança. Acabo de receber a visita do médico anestesista que me explcicou como se dará o meu "apagão". Nada mais me acabe fazer, a não ser pensar positivamente, aguardar e...


Bom, para minha e sua delícia, chegou mais um texto de SS. Segue-o abaixo.


Bravura!Bravura!


É o que espero e estou recebendo de você , mon ami! Bravoure. Só e tão somente...


E posto, vou te contar um segredo, mas de antemão te informo que essa relação unilateral vai acabar tão logo você volte ao mundo externo, ou acredita mesmo que vou safisfazer-me com essas três parcas linhas, com que vem me alimentando são suficientes para me manter longe do Alzhaimer?


Engodo puro, Sr. Coração detonado!


Hoje me recuso a te dar as informações da terrinha, e você, que está doente, mas não embobeceu , já sabe porque.


Homem - vou ser breve e de verdade: acho improvável que ainda estejas com seu fiel diário digital em mãos. Se ainda não te surrupiaram. Assim, que tal sair daí com vida, e tão logo bote os pés fora desse antro de perdição (tantas branquelas boas...) você tem uma missão: achar no melhor SEBO de Sampa a melhor cartilha de LATIM.


Quero uma de sebo, com vida e história, entende?


Quero usufruir nas páginas que revirar, toda a gama de sentimentos que passou pelos que fizeram o mesmo ato.


Não só estudar latim, embora essa seja minha meta.


E se de contra peso o Sr.Coração Detonado garimpar outra preciosidade: -Parabéns! Desnecessário dizer (digo) escrever, que serei eternamente grata.


Já até visualisei a cena:


Ato I - A chegada: você chega caminhando de forma lenta como se tivesse acabado de parir... Você me buscando, com a cara de fuinha e perguntando por mim... Você com as mãos nervosas comprimindo um embrulo envolto em um simples papel pardo... Aí, o povo a te olhar de forma imterrogativa......


Ato II - A busca: eu andando por todo lugar, desconhecedora que sou do que acontece... Eu, zoando com quem está de plantão... Eu, linda e inocente, buscando o que ler entre os que estão ao meu redor... Eu, indo para meu setor após dar um golpe em um incauto......


Ato III - A comoção: o nosso encontro, eu assombrada por você, enfim, ter retornado, e você, todo se achando, pois nem acreditou que poderia viver...


A trilha sonora (o tema de fantasma da ópera). O nosso reencontro... Enfim, cabe a você fazer isso acontecer!


Agora vá abrir o peito. Eu te espero. Oui?

Um balanço, se for em tempo

Unidade Coronariana, 5 de outubro de 2010
Mano e compadre Guilherme,


Creio que se faz necessário, nesse instante em que se completam dez dias que estou em São Paulo, internado no Incor, um pequeno balanço de minha situação. E de meu enfrentamento.


Não foram dias fáceis.


Aliás, os dias não podem ser considerados fáceis, mesmo fora de hospitais. Por isso, de chofre, posso afirmar que não estou sendo um paciente infeliz, mesmo estando diante da possibilidade da morte, visto a gravidade do meu caso.


O tempo que passei na Unidade de Emergência ainda me inquieta com suas lembranças. Ali testemunhei momentos que ilustram a tragicidade da condição humana, coisas interessantes!


Durante a noite ficava a perceber os pacientes, cada um com suas dores, seus desesperos e dilemas. Nem por isso eles deixam de nos ensinar alguma. Também se mostram seres anôninos que carregam, cada um a seu modo, a sua própria história de vida.


Ugo Benedetti, por exemplo, trabalhou muitos anos na multinacional Cônsul fazendo geladeiras. Depois passou a trabalhar prestando serviços. Aposentou-se. Ele comprou um sítio em Ibiúna, pois italiano gosta muita de trabalhar com a terra. Por isso em nosssas conversas, amiúde, se punha a falar de seu pomar, e da beleza de comer uma fruta tirada do pé, na mesma hora. Fiquei com água boca. A maior lição, no entanto, que Ugo Benedetti ensinou-me foi a de que o italiano gosta mais da família que da terra: ele está deixando o sítio morar com um dos filhos.


No setor de emergência do Incor não me senti muito desacomodado, apesar do entra e sai de gente; do corre-corre de médicos e enfermeiros, macas para lá e para cá Segundo uma antiga enfermeira do instituto, ela nunca vira um paciente usando um laptop, em seus 22 anos de carreira, ali naquele setor.


Foi também na Emergëncia que conheci uma pessoa interessante. Afonso Sávio, um ex-seminarista, estava a me olhar, de longe, curioso. Quando se aproximou, ele disse: Jamais esperava encontrar alguém com um livro neste local. Ainda mais com um dicionário de expeessóes latinas! – A partir daí ficamos amigos, trocamos e-mails e ele passou a me escrever.
"Bom dia Amigo! Tudo bem com você? quem usa óculos, sabe a importância de usar a lente no grau certo, ou seja {a menor diferença é necessário fazer o ajuste. Assim é a VIDA!!! Bom ajuste!
Este foi o primeiro e-mail que recebi de Afonso Sávio, um sujeito que sempre carrega consigo um sorriso no rosto. O segundo texto que me enviou tamb[em era curto, mas poético: Buscamos alegres a vida viver/Sorrir e, quando possível/Amizades contruir/São grandes remedios/Para os que buscam saúde e paz. Ele finalizou dizendo: Tudo dará certo.Fique transquilo. Afonso S[avio também escreveu uma poesia muito bonita, em quadras, que oublicarei mais a frente, para o conhecimentos de todos.


Outros fatos interessantes sucederam-me na Emergência. E conforme a disposição, o tempo e a memória, e, calro, a inspiração eu irei relatando-os. Enquanto isso - agora na UCO - às vésperas da cirurgia, fico a matutar sobre o meu futuro.
Se futuro ainda tiver.
Acho que foi, Guilherme, um ledo engano me entusiasmar com o conforto aparente de ter um local reservado, com TV e leito mecanizado. Aqui o que me esperava era a condi;áo pré-operatória: estava condenado ao leito. Urinar, somente no papagaio. Confesso que fiquei craque em mijar nesse negócio.


Teve uma vez que enchi ele todinho! E sem tomar um copo de cervejA!
Para evacuar o paciente tem três altarnativas, segundo a sua condição e diagnóstico. A primeira é ser levado de cadeira de rodas até o banheiro; a segunda é fazer no leito mesno, num recepiente que denomiam de "comadre".


Por fim, a terceira é fazer numa sentado numa cadeira preparada para tal, ao lado do leito. Muitos se cagam aleatoriamente, independente destas opções, para desespero de quem tem de limpar o leito. E do paciente também, claro.


Náo é bom oara ninguém ficar envolto em merda. A minha situaçáo permitiu o uso da cadeira, com o quarto fechado, ao lado da cama, lendo um livro, um jornal ou usando o computador, afinal, sou um cagáo enjoado. E bota enjoado nisso.


A alimentação acompanhada rigorosamente nada deixa a desejar.Extremamente bem balanceada o cardápio leva em consideração a situação de cada paciente, individualmente.


Íncômodo mesmo são alguns tipos de remédios. As doloridas injeções que tomo na lateral da barriga - duas vezes ao dia - sáo torturantes. Mas, o trabalho das equipes médica e de enfermagem carece de elogio: ambas nada deixam a desejar. Talvez por isso, o Incor seja o Incor. Isso, claro, sem esquecer a estrutura tecnológica.


Mas, constrangimento náo deixaria de faltar.


Se vale considerar, neste momento, algum tipo de desconforto fora do necessário tratamento, eu considero o banho no leito o que mais salta aos olhos. Tanto para os enfermeiros como para o paciente. Ma, isso somente no início. Depois a gente se acostuma.


A primeira vez que me deram banho no leito foi inevitável constranger-me, principalmente, no instante de lavar as partes pudentas. De praxe são duas enfermeiras na atividade. Elas posicionam-se, cada uma numa lateral da cama para a empreitada. A dupla, comforme a experiência faz a higiente entre quinze e vinte minutos.


Na hora do ataque e invasão dos países baixos lembrei-me, compadre, do Élson Dantas e uma de suas boas tagarelices no Bar dos Papudos. Foi quando se puseram ao enxaguamento do pênis onde sempre aparecem secreções que se assemelham a queijo ralado.


Exatamente quando se fazia a limpeza no local foi que parecdu-me ouvi a voz trôpega do nosso amigo a explicar aquele acúmu-lo: chama-se esmegma e é uma substância que se forma entre a glande e o prepúcio do pênis, geralmente branco e pastoso, de odor fortemente característico, e populatmente conhecido como "sebo de pica".


***
A seguir - compadre Guilherme - brindemos, pois, os nossos leitores com mais um de seus belos textto. Fartem-se, ávidos de todas as matizes!


Magno amigo e compadre, Stélio!
Surgiu um raio de pensamento e que tem uma força muito forte apontando sempre em direção à Vida e à sua preservação.


E esse pensamento sonha e busca as coisas nobres dos instintos para estar feliz e afirmar ao máximo possível, a simultaneidade que há na Vida.
Minha labuta é sempre serena, pois viver é uma arte que me traz alegria e entusiasmo...
Viver é simpelsmente viver para mim; sem nenhum adjetivo pelo fato de nenhuma palavra poder expressar realmente o que é a Vida.
Mirei o sol alegremente e não tive medo de ser atingido pelos seus raios. Sua grandeza é a grandeza da vida que me segura...
Os pensamentos brotam suavemente ou com força vulcânica de um espírito livre...
Em nenhum momento da minha vida bocejei uma palavra sequer difamando a Vida.
Aprendi a digerir, até mesmo, os caluniadores e difamadores da Vida; a existência nunca foi para mim um peso, mas sempre uma canção.
A angústia para mim é benevolente, pois não tenho medo de conviver com os meus fantasmas interiores.
Louvo sempre os magnos desejos e amo as estrelas mais fulgurantes; seus brilhos refletem a minha alegria.
Saudações dionisíacas! - "A sorte favorece aos destemidos". - Do eterno irmão... Guilherme da Silva Cunha, um filósofo alegremente trágico!








A visão (bem humorada) de um cardiologista

São Paulo 03 de outubro de 2010.

Pensando em como iniciar essa “resenha” solicitada mui gentilmente por vossa senhoria, caro Antonio Stélio, lembro que hoje não poderemos contribuir com o país através da nossa cidadania. Simplesmente pelo fato de estarmos fora de nosso foro eleitoral (você uns quilômetros a mais que eu), e ambos dentro do hospital - cada qual na sua função. Aliás, espero que mantenha sua condição de paciente e aguarde, com paciência, sua cirurgia.

Acho que a melhor maneira de expressar minha visão é – literalmente - começar do começo que, para mim, inicia no momento em que entrei na Unidade Coronariana (UCO) do InCor, naquele dia 29/09/10 e fiquei sabendo que havia um novo paciente no leito 4026. O colega de plantão me informou que se tratava de Antonio Stélio, 52anos, proveniente do Acre. O paciente estava diagnosticado Infarto Agudo do Miocárdio, já realizado cateterismo cardíaco no InCor. e que estava em programação cirúrgica.

Foi, então, que decidi conhecer a Antonio Stélio e saber se estava bem – nem sempre dentro de uma UCO ou UTI é possível conversar com os pacientes, pois na maioria das vezes estão inconscientes e entubados.

Logo que entrei no quarto percebi que poderia haver um diálogo devido ao fato de estar respirando sem a ajuda de aparelhos, e todas aquelas “parafernálias” que ficam ao lado da cama do paciente, o impedindo até mesmo um contato próximo. Vi também que o diálogo haveria de ser diferente do convencional; com possíveis neologismos, declinações e arcaísmos. Tudo isso porque no entremeado daquele corpo - todo contorcido na cama - havia livros com autoria do próprio paciente, um dicionário de expressões em latim e um netbook! Não hesitei em chamá-lo pelo nome, um pouco mais alto, por mais de três vezes, após repetir o “bom dia”, sem sucesso.

Imaginei (Réquiem aeternam dona eis domine – segundo Mozart Kv662): outro paciente sem poder conversar. Mas na hora percebi que apenas dormia. E como dormia! Recebi um grave e rouco “bom dia doutor dormi muito tarde, aliás cedo, já estava quase de manha quando desliguei meu computador... Troco o dia pela noite, fico escrevendo”.

Assim foi meu primeiro contato com o Stélio.

Disse a ele meu nome e depois conversamos um pouco sobre o ocorrido nos últimos dias, até sua vinda ao InCor. Informei que, juntamente com a equipe de médicos daquela unidade, iríamos dar continuidade ao seu tratamento. Naquele momento eu estava querendo saber como estavam os “trâmites legais” do pré-operatório. Ele, por sua vez, aparentou-se calmo e, informado sobre a cirurgia, disse que estava bem, porém, com sono. Mas eu sabia que, posteriormente iríamos conversar mais sobre o assunto. Jamais imaginei que ser convidado a participar deste trabalho, uma obra que revela o seu enfrentamento da situação - livro que imagino será revelador -, escrevendo a minha versão (visão do médico) sobre o fato.

E o fato é que não tenho vocação para escritor. Espero que meu relato/texto/resenha/anotação, ou seja lá como chamem, seja lapidado pelo nobre editor. Porém, eu posso assegurar que não tenho conflito de interesses, que não espero direitos autorais (mas, pelo menos uma cópia autografada!) e nem quero romper a relação médico-paciente, revelando informações sigilosas em desacordo com a sua vontade.

Na minha impressão, vejo que assim como outros milhares de escritores que tem a oportunidade de relatar parte de sua biografia, Stélio o faz de forma concisa e meticulosa, não guardando os pormenores. Por isso fico honrado de poder tentar esclarecer de forma coloquial, o modus operandis de sua internação.

Quero te dizer, caro Stélio, que apesar de estar se sentindo bem, o senhor é um cara forte e de sorte, pois, só pelo fato de vir do norte – (não! isso foi pela rima). Na verdade, a sorte é pelo fato de estar vivo. Tens lesões obstrutivas graves por placas de gordura em todas as principais artérias que irrigam o teu coração, (uma delas está até totalmente ocluída).

Enfim, és um sobrevivente de um infarto.

Poucos conseguem chegar até o hospital. No Brasil as doenças cardiovasculares matam cerca de 300 mil pessoas ao ano, o que corresponde a 820 óbitos por dia. Um pouco da função deste teu músculo cardíaco foi comprometido após este evento. Porém, o tratamento que estás recebendo (medicamentoso) e o que vai receber (cirúrgico), é capaz de restaurar parcialmente o dano, juntamente com as modificações em seu estilo de vida.

Fiquei feliz quando me disse que iria abandonar o cigarro. Porém ao mesmo tempo triste ao saber que vai, na verdade, substituir o cigarro pelo cachimbo (como me disse – na frente de sua irmã Rosângela e sua filha Stélia). Tudo bem que combina com um escritor umas cachimbadas introspectivas, mas não vale à pena soprar a vida para o alto, não é?

Stélio lembre-se: na vida de um escritor mais que um mecenas, uma linda e boa “macenas” ou até mesmo a Mega Sena, vale a Vida! E, se for para viver, que seja feliz, ou melhor, permanecer feliz!

Nem antes, nem depois, simplesmente já.

Luiz Ferreira - médico-cardiologista


Um novo amigo: Compadre Guilherme, sem dúvida a vida vivida sob o aspecto trágico capacita-nos para exercer a felicidade. É assim que venho reagindo e vivendo diante desta situação. Com isso tenho me fortalecido. Tua correspondência tem sido para mim de grande valia. Aliás, posso afirmar, com certeza, uma coisa: - Tuas palavras são medicinais! Falando em coisas como medicinais, o médico Luiz Ferreira, da equipe do Incor, dono de uma inteligência sofisticada, leitor de O Amor é Trágico, Ame, tem de revelado o novo amigo e quando pode, sempre aparece para uma prosa com este cambaleante sujeito acreano. Queria entrevistá-lo. Devido a situação, nao pude. O cardiologista, no entanto, não se fez de rogado e resolveu o problema: se dispôs escrever algumas palavras, aproveitando o domingo eleitoral. Eis, a razão pela qual publico acima, seu belo e inusitado. Com o devido muito obrigado, é claro.








segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Amante da Filosofia


Magno compadre Stélio,

A temperatura está boa! Mais uma friagem está rolando.

Ontem, 02 de outubro, estivemos em Brasiléia, fomos comprar muambas; pois a Ivanilda vai a Manaus dia 04 deste para um encontro de formação profissional pelo Ifac e retornará somente dia 12.

Estou trabalhando à tarde no estado e à noite na faculdade Euclides da cunha no curso de pedagogia.

Estou preparando as minhas aulas ao estilo clássico. Aula escrita, uma por uma e os alunos estão me agradecendo; visto que tudo está sendo bem "digerido".

Creio que no final do curso tenha mais um livro pronto.

O bom intelectual é aquele que pensa rápido e também age rápido, é aquele que sai da moita e escreve não as suas frustrações, mas algo que auxilie as pessoas a refletirem melhor sobre as grandes questões existenciais.

Tenho refletido bastante sobre os teus textos, sobre os nossos encontros, sobre nossas vidas. Vi muita afirmação em tudo, não recrimino absolutamente nada.

Somos seguidores do poeta dionisíco zaratustra, ou melhor, somos nietzschianos, tragicamente, eticamente, esteticamente nietzschianos.

Para Nietzsche e para nós a vida é uma fonte de alegria!

Mas para aquele que deixa falar o estômago sobrecarregado de tristezas, todas as fontes estão envenenadas!

Vivemos o reinado da grandeza de espírito. Somente um espírito livre, consegue entender outro espírito livre!

Aposto cada vez mais em nossas vidas. Nossos olhares ainda incomodarão os espíritos apolíneos, construtores de um mundo verdade para esconder suas mediocridades.

Somos bons porque acreditamos que a felicidade é possível, que ela é uma construção humana, demasiadamente humana. O resto é mera fantasia de metafísicos.

Não somos irmãos de sangue, mas somos irmãos de ideias, de conceitos, de ternura e de humor. Você é meu irmão mais querido. Somos cúmplices da felicidade trágica, visto que captamos - o que pouca gente consegue captar que é - a sabedoria trágica que afirma a vida incondicionalmente.

São poucos os homens que entendem isso.

O poeta trágico sabe se mimetizar conforme as necessidades vitais. Os trágicos são sempre capazes de apostar que a vida é boa!

Almoçamos com bastante hortaliça, somos os produtores. Democracia é poder produzir, o resto é enrolação política. Estou criando um projeto de horta alternativa. Com pouca coisa é possível produzir, o principal é coragem para trabalhar!

Estamos lhe aguardando para que venhas com a SS se lambuzar com o nosso azeite e muita salada. O alimento vivo dá mais tesão. Não esqueça do exercício físico e menta, o melhor afrodisíaco para o homem.

O meu facão está afiado para trilhar novos caminhos. A vida ainda vai nos reservar bons encontros, aliás, o que realmente conta em nossas vidas são os bons encontros.

Mil vezes alegria... Afirmativamente

Guilherme da Silva Cunha

Um eterno amente da filosofia.

domingo, 3 de outubro de 2010

Rio Branco, 3 de outubro de 2010 - 09:50

Querido filho Stélio,
Aqui em casa todos nós estamos com saúde, graças a Deus que nos tem suprido de tudo. O Glauco, todos os dias, almoça conosco e está passando bem de saúde. O tratamento dentário dele já está quase concluído. Ele agora tem um sorriso bonito.

A esposa dele que se cuide.

Aliás ela também fez um tratamento dentário muito bom. Está também bastante linda. A Dinair, a médica da família, está preocupada com a saúde dela, mas isso é só nervosismo. Ela está trabalhando, como sempre, durante o dia todo e, inclusive à noite, e prepara a sua tese de doutorado.

O José Wilson e todo o resto da família estão bem. Não os tenho visto. Ontem a Janaina passou rapidamente aqui, para conversar um pouco conosco, mas não trouxe nenhuma novidade. Só segredou um pouco com a Neide.

O Marcelo segue o seu curso direto, como um rio durante a enchente, levando tudo de eito, sem se importar com os resultados. Quem for podre que se quebre. Aqui em casa todos nós estamos bem. Tua mãe sempre preocupada. É o jeito dela. Eu acho que ela procura alguma coisa para se preocupar.

Eu também sei o que estás passando, mas a minha confiança está em Deus. E eu creio que Ele já tomou conta de ti e vai te ajudar nessa batalha pela vida e no final sairás vitorioso. Tenha fé nesse Deus maravilhoso, Ele tem me valido durante toda a minha vida, e eu tenho vencido muitas dificuldades que sozinho jamais poderia alcançar. Vale à pena testar esse Deus maravilhoso.

O meu irmão Antonio - teu tio e xará - passou por isso. E tua mãe também. E ambos venceram. Inúmeras pessoas têm feito essa operação de safena e sobreviveram. Tu também, vencerás. A terra para produzir um produto mais abundante precisa ser escavada.

Eu creio também que um poeta e escritor precisa ser revolvido, para produzir uma obra mais perto de Deus. Por hoje chega. Amanhã tem mais. Que o Senhor Jesus Cristo te abençoe e te guarde nesta caminhada que ainda tens de percorrer na tua vida.

Teu pai, amigo e admirador CLÁUDIO





Rio Branco, 3 de outubro de 2010 - 10:36

Querido filho STÉLIO!

Já votei: Serra, Petecão, João Correia, Bocalom, Flaviano e Nazaré. Cumpri com a minha responsabilidade de cidadão. Você está impossibilitado de cumprir essa obrigação e, estando fora do teu domicilio eleitoral, nem deitado podes votar.

Tua prioridade agora é a tua saúde, pelo menos é o que nós, que te amamos desejamos. Estou firme em oração ao nosso Pai Celestial. Eu acredito e tem mais uma coisa: confio Nele. Tenho conversado muito com o meu Senhor sobre tua pessoa. Como Ele é muito amoroso eu creio firmemente que vai te ajudar a vencer essa parada. Não estarás só durante essa passagem difícil. Ele estará contigo te dando a força necessária para enfrentar essa operação. Essa será a melhor ajuda que qualquer pessoa poderá ter. Deus não é como o homem. Ele tem o verdadeiro amor, que nós homens tentamos, a todo custo imitar e não conseguimos.

Ele ama de verdade.

Ele não vê os teus erros, os teus pecados e as tuas falhas. Ele vê a tua necessidade e vai te ajudar. Confie nisso. A experiência que tenho, com minha convivência com Ele, nesses 40 anos que o sigo, me confirma que tu estás em boas mãos. Não temas. Não tenhas incertezas. Ele é poderoso. Confie nesse Deus poderoso que pode realizar coisas que a mente humana nem pode imaginar.

Tua mãe também votou. Os nossos votos são iguais porque pensamos do mesmo modo.

Estamos unidos há 58 anos e a nossa lua de mel ainda não acabou.

Ainda estou no primeiro amor da minha vida.

Nascestes, meu filho, na força deste amor, portanto és forte, resistirás a qualquer coisa porque és vencedor. Não és somente um poeta, um escritor, mas és vencedor, filho de vencedores. Com estas experiências vai ficar mais forte ainda. Vais ter mais confiança em ti e em Deus que te tem abençoado durante todos estes anos de tua vida. Pensa sobre tua vida, por onde andastes. Tudo que te aconteceu foi para te tornares mais forte, destemido. Eu sei o que estás enfrentando, mas não tenho nenhum temor, nenhum receio porque sei em quem tenho crido.

Que Deus continue te abençoando.



Até amanhã. Cláudio, teu pai que muito te ama.

Mil vezes alegria no ato de existir

O exato pulsar do instante nos afirma continuamente.

O acaso está sendo genereroso conosco.

Estamos vivos, devemos tão só afirmar a nossa existência. Não somos masoquistas e tampouco sádicos. Definitivamente não gostamos de sofrer. Mas quando é algo inalterável devemos aprender com a dor.

Tudo tem o seu fluxo e refluxo.

A vida é um eterno devir. Nela tudo pode acontecer; porém, enquanto vida nós tivermos sejamos agradecidos, conforme atesta a filosofia trágica.

A axiologia para o trágico é algo que faz parte da sua vida.

O trágico conhece como ninguém o que são os valores e suas armadilhas, exatamente porque reconhece a vida como força maior.

O humor sempre encanta!

"Sejamos felizes, tudo vai mal", atesta a filosofia trágica. O homem feliz realmente incomoda a muita gente.

O homem trágico compreende muito bem que:

Os grandes sonhos só se realizam quando os pequenos são postos em ação. Os maiores caminhos só existem a partir dos pequenos percursos. Os rios mais caudalosos só têm razão de ser por causa dos pequenos cursos de água. Os maiores ricos precisam dos pobres para construir seu capital. Os grandes infortúnios têm tudo a ver com os pequenos. A grande política do domínio dos corpos só existe se a pequena for efetivamente cumprida.

Compadre, fique certo de que, eu e Ivanilda e Sofia e Dionísio somos teus eternos admiradores. Estamos com saudades!

Ficamos contentes em saber que tu és a personificação da besta, pelo menos tu és alguma coisa, melhor do que o anonimato! O acaso vai ser generoso contigo!

Viva os nossos encontros bem vividos!

Viva nossa forte amizade!

Abraços cordiais e eternas saudações filosóficas!

Guilherme da Silva Cunha

Filósofo



sábado, 2 de outubro de 2010

AS TRÊS NOVIDADES

Sábado, 2 de outubro de 2010


Compadre Guilherme: temos novidades.

A primeira é que a minha cirurgia, que seria realizada nesta segunda-feira, dia 4 de outubro, segundo o cardiologista Luiz Ferreira, membro da equipe, fora transferida, agora para o dia seguinte, ou seja, para a próxima terça-feira, dia 5, pela manhã.

Ainda sujeita a confirmação, porém.
Contudo, estou calmo.

A segunda e melhor notícia, no entanto, é a de que Stélia chegou. Agora tenho minha filha ao meu lado, sempre alegre e carinhosa. Ela e Rosângela estão a cuidar de mim. Veio de Goiânia. Temos uma hora por dia, mas a tolerância do pessoal aqui nos deixa juntos, às vezes, por quase duas horas.

O certo é que estou aceitando tudo com a necessária crueldade e alegria. Irrita-me, no entanto, ficar preso a um aparelho que não me permite deixar a maca-cama. Estou indo para o quarto dia nesse estado.

As enfermeiras me dão um banho por dia.
Chamam de "banho de leito". Duas delas ficam a me virar e revirar passando pano ensaboado e jogando água quente para lavar. Já estou acostumado com isso. Tenho um kit higiênico também. Acho até um exagero ter que tomar um banho todo dia!

Nesses dias que cá estou ainda não evacuei, segundo a linguagem técnica das enfermeiras; ainda não fiz cocô, segundo expressão dos educados e ainda não caguei, segundo minha própria versão. E isso apesar da dieta laxativa que a nutricionista Isabel - para quem autografei um de meus livros - me destina. Talvez hoje isso aconteça, pois os primeiros puns ameaçam essa possibilidade, quase iminente.

Conversei com a enfermeira de plantão desta noite, para entrar em um acordo: usar a cadeira com a "comadre" por baixo. Assim ficará mais confortável. É só colocá-la ao lado da cama, de um jeito que não desligue o aparelho que me monitora.

Compadre, enfim, a terceira boa notícia é a de que SS escreveu. Pensei que tinha sumido, abandonando-me. É uma pessoa d um humor interessante. Confesso que os textos dela estão me fazendo muito bem.

Veja, Guilherme, o que ela me remeteu, ontem:

- Mon ami ,

Acabei de chegar ao plantão, e quer saber? Vim correndo para ver se ainda estavas vivo. Obrigada por não ter feito feio frente às minhas expectativas.  Continue assim.

Que esse coração despedaçado sofra menos do que os corações por você despedaçados...
Aqui? O inferno sobre o limbo (sol a pino, pouco vento, perfume francês em abundância (o vulgo cêcê no ar), e uma leva de gente burra!!!!

Quer ter inveja?

Ontem, para matar um sentimento saudosista que me assola, eu umedeci a boca, mergulhei minhas papilas em um vinho (rubro como sangue, denso como sangue e suculento como deve ser o sangue).
Maravilhoso, mesmo que degustado entre eu e eu mesma.
Pude assim me iludir a achar que poderia voar, a despeito dos tão famosos vampiros que sabem tudo de sangue. Eu, particularmente, não curto muito a sensualidade desses seres, eles são óbvios demais!

Quer saber o que eu acho sex em termos de seres fictícios? Ou quer arriscar e tentar me entender? Eu, a princípio acho precoce de sua parte, mas como pretensão é uma condição nata e não sine qua non do homem... Dessa forma, como pretendo que sejamos para lá de amigos vou magnanimamente te conduzindo assim: uma luz para você me decifrar.

Eu sou seduzida pelas criaturas calmas, introspectivas, reflexivas, mas acima de tudo seguidoras de uma ética, mesmo que tal só se faça entender por aquele que a segue.
Curto o filósofo nato que questiona por que veio ao mundo e não aceita a forma como se deu tal criação, e não obstante sua vontade arca com as consequências dessa gênesis (agora a luz....adivinha quem é tal ser!)

Dica um: sua criadora é uma mulher.

Dica dois: é um em muito.

Dica três: é sex e pueril simultaneamente.

Mon ami - ocorreu-me nesse exato momento que posso estar indo além de uma breve visita de cova e, assim sendo, não posso me demorar. Deixe-se cuidar, sim? É o que você tem a fazer nesse momento.
E a respeito de minhas colegas que se acham, elas podem e você, nesse momento, não.

Agora descanse e não morra.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Barba, cabelo e bigode

Mano Guilherme,

Tenho novidade. Na visita da Rosângela, de ontem à noite, pedi que entrasse em contato contigo, pois quero tuas opiniões como parte dessa experiência de vida.

Mas algo aconteceu.

Sem que esperasse, num repente, tiraram-me, às pressas da Unidade de Emergência. Trouxeram-me de lá e instalaram-me na UCO – Unidade Coronariana. Lá, eu estava num furdunço danado: um inferno de sofrimento humano. Sempre lotado de ais e angústias, em leitos espalhados por corredores e vãos estranhos. Sem dormir a noite inteira observava tudo aquilo.

Agora, aqui na UCO é um paraíso.

Literalmente. A Emergência é no térreo, a UCO no quarto andar, como na fábula cristã: um embaixo, outro em cima.

Deram-me um quarto todinho somente para mim.

A cama-maca é toda motorizada. Eu mesmo aperto os botões e me boto sentado, deitado, de cabeça para baixo e, se duvidar, até em posição vertical. Também, é possível manejar o leito fazendo descer as pernas.

Parece a cadeira do papai!

Tenho uma televisão na parede e um aparelho esquisito que monitora até o oxigênio que está a correr pelo meu sangue. Se é que ainda o tenho de tão vampirizado que estou sendo nesta vicissitude. Nos últimos vinte dias: dezenas de seringas chuparam meu sangue quase sem alternância.

A diferença de comodidade entre os dois locais é gritante.

Lá embaixo gritos de sofrimentos; aqui em cima um silêncio extremamente favorável ao ócio criativo. Deixo a TV ligada apenas para sentir vida ao meu redor. Espantar a solidão proporcionada pelo isolamento que se faz necessário.

Fico mais escrevendo sobre o que se passa comigo nesse enfrentamento, mexo em alguns capítulos do romance e na biografia do Barão Mesquita.

Meu bom compadre vivo uma sensação nova, estranha e desafiante, mas depois da mudança estou me sentindo mais ou menos assim: desalojaram-me da Hospedaria Camelo e transferiram-me para o Hotel Pinheiro.

Aliás, Guilherme, falando em besta, uma curiosidade que não devo deixar de registrar. Durante o atendimento de emergência, as enfermeiras, após constrangerem-me no depilamento das partes íntimas – coisa que me deixou ruborizado – também implantaram em meu pulso esquerdo uma coisa que chamam de acesso intravenoso, enquanto que no pulso direito enroscaram uma pulseira com um código de barras: agora sim, definitivamente, sou um número a mais na rua, no mundo e na vida.

Para instalar-me neste quadrante particular do quarto andar do Incor tive que, antes, higienizar-me no banheiro da Emergência. Minha mãe providenciara uma malinha com todos os apetrechos de limpeza pessoal, para esse tipo de serviço corporal que os franceses chamam de toalete.

No banho prolongado usava pouco xampu. Estou quase sem cabelo na cabeça. Mandei passar a máquina na rotação quatro. Por isso deixava a água quente correr sobre o curativo de plástico, gaze e algodão do cateterismo, na virilha.

Esperava que esse processo amolecesse as substâncias que grudavam à pele. Assim, ia retirando vagarosamente o curativo na tentativa de impedir o doer provocado pelo retiramento do material em contato com os pelos pubianos, sempre atrevidos.

Pasmei, Guilherme!

Quando por fim consegui retirar todo o curativo foi que percebi o inusitado: as enfermeiras passaram o barbeador apenas no lado direito de virilha, por onde foi introduzido o cateter.

Fiquei olhando aquela aparência estranha, e irritando-me com o que considerava uma sacanagem. Deveriam ter raspado tudo. Mas uma lembrança me fez ter uma acesso de riso sob a chuveirada confortante: raspar pela metade as minhas partes pudendas me fez lembrar a barba do Braga.

Que coisa esquisita!

O depilar incompleto fazia do meu pênis uma caricatura grotesca amparada pelo saco cabeludo! Agora, porém, mais tranquilo, é que estou me dando conta de algumas coisas, como, por exemplo, o número de identificação na minha pulseira de paciente: ID 3343666. Perceba, compadre, que os três últimos dígitos constituem o bíblico número da besta.

Moral da história: eu é que sou o besta! A exótica mula bíblica, a representação do mal humano. E bem identificado! Com direito à purgatório e chancela oficial.

Um pai ausente

Antes de desligar o computador não deixei de fazer a última consulta em minha caixa de mensagens. E lá estava o texto de meu filhote amado. Não poderia deixar de lê-lo. Lian escrevera:

Quarta-Feira, 29 de setembro de 2010 23:02 horas

- Pai, como você está? Tá bem? Sentiu mais dores no peito, não é? Espero que você melhore para passarmos mais tempos juntos

Eu estou bem e com muitas saudades de ver meu velho. O meu velho que me levava para aqueles lugares malucos; que só faltava me oferecer bebidas ayahuasca; meu velho que era muito presente na minha vida, que só SUMIA de vez em quando.... Rsrs... Eu estou indo muito bem na escola. Minhas provas acabaram tem pouco tempo. Acho que fui bem, pelo menos na maioria delas.

Por em falar em escola, naquele dia em que pedi para você me dar alguns exemplares do seu livro – O Amor é Trágico, Ame! - foi porque levei um deles para a escola e fez muito sucesso, todos queriam, alunos, professores e diretores. Eles gostaram muito do livro: e eu tive o prazer de dizer que o autor era o meu pai.

Ah, o Corinthians tá jogando muito bem, acho que é líder ou vice.

To indo dormir, saiba que eu te AMO muito.


Seu filho Lian.


Ao término da leitura desliguei o net. Apaguei a luz. E ditei-me com os olhos transbordantes. Eram lágrimas de um pai ausente diante da possibilidade de não poder fazer mais nada a respeito, apesar de um amor descomunal e a certeza de que ficaremos juntos - muitas vezes ainda - por esses malucos lugares que tanto me atraem.